
Quinze anos se passaram desde aquele primeiro dia de aula. Eu já não era mais o menino de doze anos com o coração disparado.
Agora, formado em Letras, dava aulas em uma escola pública no interior do Amazonas, onde o som da chuva competia com a voz dos estudantes.
O tempo me ensinou muitas coisas, mas algumas lições continuam marcadas como tatuagens invisíveis no meu peito.
Numa tarde chuvosa de março, fui convidado para participar de um congresso sobre Educação e Afetos, tema que, para mim, fazia todo sentido.
Falei sobre como o carinho e o respeito constroem pontes entre alunos e professores,
sobre como a escola é, muitas vezes, o primeiro lugar onde a gente aprende a se conhecer.
Depois da minha fala, enquanto eu organizava meus papéis, ouvi uma voz que parecia vinda do passado:
— “Muito bonita a sua palestra. Sensível, inteligente, direta e apaixonada”.
Virei lentamente. E lá estava ela. A minha primeira professora de Ciências.
O tempo tinha passado sim, mas ela ainda carregava aquele mesmo olhar firme e doce, como quem lê o mundo com paciência.
Ela estava diferente, claro, alguns fios de cabelo grisalhos, óculos de armação discreta, um sorriso mais calmo. Mas era ela, a minha primeira professora de Ciências.
— “Professora!”, eu disse, com um entusiasmo quase juvenil.
— “Agora é você quem ensina, não é?”, respondeu ela, rindo.
Conversamos por longos minutos. Relembramos histórias, rimos das travessuras da turma, falamos sobre a importância dos professores na formação emocional dos alunos. Em algum momento, ela me disse:
— “Você tinha um olhar sonhador. Lembro-me bem. Era bonito ver alguém tão novo como você se apaixonar pelo conhecimento”.
Sorri.
“Será que ela não desconfiava que aquele amor aos estudos tinha nome, perfume e voz?” — pensei com os meus próprios botões:
Antes de irmos embora, ela colocou a mão no meu ombro, do mesmo jeito que fizera anos atrás, e disse-me:
— “Você se tornou um homem bonito e inteligente. Eu, Platão, e certamente todos os filósofos do mundo estamos muito orgulhosos de você”.
Despedimo-nos com um abraço cheio de afeto e respeito. Não havia mais confusão, nem desejo escondido, nos meus pensamentos. Apenas a certeza de que aquele amor platônico, nascido entre carteiras escolares e folhas de caderno, havia me moldado.
Hoje entendo que alguns amores não vêm para ficar, mas para revelar quem somos. Eles não precisam de promessas nem de finais felizes, bastam-se naquilo que despertam em nós: carinho, amizade, compreensão, respeito…
E se nunca mais nos falamos é porque já havíamos cumprido nossa missão: ser uma presença formadora na ausência, um afeto que não prende, mas ensina que amar também é permitir que o outro siga seu próprio caminho.
Daquele dia em diante, nunca mais cruzamos os mesmos caminhos, mas, vez ou outra, seu nome surge no canto de uma boa e saudável lembrança, como quem acena de longe, sem querer atrapalhar o curso da vida. E isso bastava.
Luís Lemos é professor, filósofo, escritor, autor, entre outras obras de, “O primeiro olhar” (2011), “O homem religioso” (2016), “Jesus e Ajuricaba na terra das amazonas” (2019), “Filhos da quarentena” (2021), “Amores que transformam” (2024) e “Noite Santa” (2025).
Instagram: @luislemosescrito