Naquela noite, depois do reencontro com a professora, cheguei ao hotel tomado por uma saudade que não era dor. Era uma saudade boa, como cheiro de livro novo, como som de voz que te ensinou a escutar, como abraço que permanece mesmo depois que termina.
Abri o laptop e, sem pensar muito, comecei a escrever. Palavras que estavam guardadas há anos resolveram sair. Comecei assim:
“Querida professora, talvez você nunca leia essa carta. Talvez eu mesmo nunca a envie. Mas preciso escrevê-la, como quem precisa fechar um ciclo com delicadeza…”.
Falei daquelas manhãs na sexta série, do meu coração adolescente batendo feito tambor de festa junina. Contei como sua presença despertou em mim o desejo de ser alguém melhor. Falei da primeira vez que li Platão por vontade própria. E da última vez que sonhei com ela.
Expliquei que hoje compreendia que meu amor nunca foi físico, nem egoísta, era admiração pura, dessas que transformam. Disse que ela foi o primeiro espelho onde eu vi refletido o que eu poderia ser. Terminei a carta assim:
“Hoje, sou professor. E a cada aluno que olha para mim com aqueles olhos famintos por sentido, eu lembro de você. Obrigado por ter sido meu primeiro amor e minha primeira professora de verdade”.
Salvei o arquivo com o nome: “Amor Platônico – Confidencial”. Nunca imprimi. Nunca enviei. Mas dormir naquela noite foi mais leve. Como se aquele menino de doze anos, enfim, tivesse encontrado paz.
E, antes de adormecer por completo, abri o livro O Banquete, de Platão, e comecei a ler, como quem busca na Filosofia um espelho para os próprios sentimentos:
“O amor não é belo nem bom, como a maioria pensa, mas tampouco é feio ou mau. O que é então? É um ser intermediário entre os deuses e os homens. Amor é o desejo de possuir o bem para sempre […].
Continuei lendo, até que os olhos, vencidos pelo cansaço, já não conseguiam mais se manter abertos.
“O Amor nasceu no dia em que Afrodite foi gerada. Ele é filho de Poro (o recurso) e Penia (a pobreza), o que explica sua natureza ambígua: nem totalmente divino, nem totalmente miserável. Por isso, o Amor é sempre carente, mas também engenhoso; não é um deus, mas um espírito que vive entre o saber e a ignorância […].
No dia seguinte, o congresso seguiu seu curso. Painéis, palestras, trocas de contato, cafés rápidos entre uma mesa e outra. Em um dos corredores, vi de longe sua silhueta. Ela conversava com outros professores, sorria com aquele jeito de quem escuta com o corpo inteiro.
Pensei em me aproximar. Mostrar a carta. Dizer que havia mais coisas que eu queria agradecer. Mas não fui. Entendi que o tempo já tinha feito o que precisava: aproximou, afastou, ensinou. E agora nos deixava com aquilo que restava: o essencial.
Voltei para casa no domingo à noite. Na mala, os livros do evento, algumas anotações, um certificado. E, no coração, a certeza de que alguns encontros, mesmo breves, duram para sempre. São como sementes que germinam em silêncio, lá dentro, até que um dia florescem no gesto mais simples: ensinar com amor.
Desde então, sempre que alguém me pergunta por que escolhi ser professor, eu sorrio. E, sem entrar em muitos detalhes, respondo:
— “Por causa de uma professora que me ensinou a pensar, ou seja, a filosofar”.
Luís Lemos é professor, filósofo, escritor, autor, entre outras obras de, “O primeiro olhar” (2011), “O homem religioso” (2016), “Jesus e Ajuricaba na terra das amazonas” (2019), “Filhos da quarentena” (2021), “Amores que transformam” (2024) e “Noite Santa” (2025).
Instagram: @luislemosescrito