A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, afirmou ter ouvido frases embaraçosas e recebido toques indesejados por parte do ex-ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida. Em entrevista à revista Veja, publicada nesta sexta-feira, ela relatou que “quis acreditar que estava enganada”, mas depois percebeu ter sido vítima de um crime de importunação sexual.
Anielle contou que começou a conviver com Almeida na transição do governo, em dezembro de 2022. E já neste período tiveram início as “atitudes inconvenientes” por parte do ex-colega, que nega as acusações. Esse comportamento, prossegue a ministra, foram aumentando ao longo dos meses até chegar à importunação sexual.
“Por um tempo, quis acreditar que estava enganada, que não era real, até entender e cair a ficha sobre o que estava acontecendo. Fiquei sem dormir várias noites”, disse.
A ministra também revelou que ainda se questiona sobre o motivo de não ter reagido na hora e denunciado Almeida imediatamente após as investidas dele. Anielle explicou que ficou “paralisada” e se culpou pela falta de reação.
“Me lembrava de todas as mulheres que já tinha acolhido em situação de violência. Mas o fato é que não estamos preparadas o suficiente para enfrentar uma situação assim nem quando é com a gente. Eu me senti vulnerável”, afirmou.
“Ninguém se sente à vontade ficando em silêncio em uma situação assim. Mas eu não queria a minha vida exposta e atravessada mais uma vez pela violência. Sou muito mais do que isso e me orgulho da minha trajetória. Só queria que aquilo parasse de acontecer”, acrescentou.
Em depoimento à Polícia Federal na manhã desta quarta-feira, Anielle Franco confirmou ter sofrido importunação sexual por parte do ex-ministro dos Direitos Humanos. ela prestou declarações na sede da PF, em Brasília.
Almeida foi demitido no dia 6 após a ONG Me Too Brasil afirmar ter recebido denúncias contra o então integrante do governo. Anielle foi uma das vítimas e relatou o episódio a integrantes do governo, inicialmente. Pessoas a par da investigação afirmam, no entanto, que a ministra não foi questionada, no depoimento, sobre ter avisado membros do governo antes de as denúncias virem à tona — o caso foi revelado pelo portal Metrópoles.
As perguntas giraram em torno dos supostos episódios de importunação, iniciada, segundo a ministra, ainda em 2022, antes da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Anielle e Almeida participaram da transição.
Quando o caso foi revelado, Silvio Almeida disse que pediu ao presidente para ser demitido “a fim de conceder liberdade e isenção às apurações, que deverão ser realizadas com o rigor necessário e que possam respaldar e acolher toda e qualquer vítima de violência”. O ex-ministro destacou que a investigação seria “uma oportunidade para que eu prove a minha inocência e me reconstrua”.
Procurada, a defesa de Almeida disse, nesta quarta-feira, que não se manifestará e que aguarda habilitação para ter acesso à investigação.
Como mostrou o blog de Renata Agostini, do GLOBO, a PF pretende adotar um novo protocolo na investigação do caso. O objetivo é preservar as denunciantes, garantindo que elas não tenham de relatar o que viveram diversas vezes ao longo do processo.
Com isso, os depoimentos colhidos serão considerados definitivos e valerão também para a fase processual, caso os indícios de prática de crime se confirmem e a denúncia seja aceita pela Justiça. Isso evitará que supostas vítimas tenham de reviver os episódios para diferentes interlocutores. A cúpula da PF vê o caso de Silvio Almeida como uma oportunidade para estabelecer um padrão para futuras apurações de episódios de assédio, importunação ou abuso sexual.
O Código de Processo Penal autoriza o juiz a ordenar a produção antecipada de provas antes do início da ação penal caso haja temor fundamentado de, no futuro, ser muito difícil a verificação dos fatos. A PF quer trazer o entendimento para casos de abuso, alegando a necessidade de proteger as vítimas. O protocolo para as depoentes também pode servir como incentivo para que mulheres decidam procurar as autoridades.