
Paraty (RJ), 15/6 — No segundo dia do Bourbon Festival Paraty 2025, foi pouco músico pra muito som. Enquanto grandes bandas passaram pelos palcos da charmosa cidade colonial, foram as formações reduzidas — com até três integrantes — que roubaram a cena no sábado, 14. O poder de síntese e a entrega musical desses artistas provaram que, às vezes, menos é mais.
Vasco Faé: o homem-banda que dominou a Quadra
A performance que mais chamou atenção logo nas primeiras horas foi a de Vasco Faé, uma verdadeira banda de um homem só. De forma quase acrobática — com bumbo e caixa sob os pés, guitarra nas mãos e gaita na boca —, Faé atraiu olhares curiosos ao Palco Quadra. O que começou como espetáculo visual rapidamente se transformou em experiência sonora intensa.
Conhecido como mestre do blues e do rock brasileiro, Faé reimaginou clássicos como “Black Night” (Deep Purple) em arranjos que pareciam nascer direto do Delta do Mississippi. Também surpreendeu ao dar nova roupagem para “You Gotta Move”, de Fred McDowell, e encantou em um momento de delicadeza com uma versão dançante de “Can’t Help Falling in Love”, eternizada por Elvis Presley. O ponto alto, talvez, tenha sido uma ousada versão de “Eleanor Rigby”, dos Beatles — sem cordas, sem vocais, apenas sutileza, coragem e alma.
Trio polonês-brasileiro inova com trompete em vez de guitarra
No Palco Santa Rita, uma formação inusitada também conquistou o público. O Latorre, Krzeminski, Skolik Hammond Trio opta por uma configuração diferente do tradicional: em vez da habitual guitarra nos trios de Hammond, a aposta foi no trompete.
O resultado é um som com mais clareza melódica e menos densidade harmônica, mas com lirismo de sobra. Na bela “Streets of Orient”, o trompetista Piotr Krzeminski traduz em notas suas experiências nas ruas do Oriente. O organista brasileiro Daniel Latorre e o baterista polonês Arek Skolik completam o trio que levou o público a longas viagens sonoras, com improvisos que frequentemente ultrapassavam os oito minutos.
A plateia, porém, não arredou pé — ou melhor, esticou cangas no chão e balançou a cabeça em aprovação. O momento mais solar foi a fusão de bossa nova com jazz na peça “Morning Sun”, entre 15h23 e 15h31, para delírio dos que ali descansavam sob o céu limpo.
Amaro Freitas: o risco como linguagem e espetáculo
Mas a noite ganhou contornos quase místicos com o Amaro Freitas Trio, um dos nomes mais esperados do festival. O pianista pernambucano, ao lado de Sidiel Vieira (baixo) e Rodrigo “Digão” Braz (bateria), entregou uma apresentação marcada por tensão, risco e beleza extrema.
Em diversos momentos, o trio parece caminhar no limite: ritmos quebrados, harmonias ousadas, frases melódicas que desafiam o tempo. O público assiste hipnotizado, como quem contempla um penhasco — fascinado e temeroso de um deslize que nunca vem. A sincronia entre os três é telepática: olhares trocados, gestos discretos e uma cumplicidade que se traduz em música fluida e viva.
A performance percorreu, principalmente, os dois álbuns mais recentes de Amaro. E ao fim, como em um ritual coletivo, a plateia ergueu as luzes dos celulares, acompanhando o trio em um clímax de conexão sensorial. O desejo por um bis foi unânime — tanto no palco quanto fora dele.
Com informações de IstoÉ