No primeiro dia de trabalho, Natanael foi direcionado para um estúdio de gravação. Chegando lá, já caracterizado de Papai Noel, passou o dia inteirinho diante das câmeras. — “Tem certeza que eu preciso gravar isso novamente?”, protestou. — “Sim, a repetição leva a perfeição”, disse o empresário.

No dia seguinte, tudo se repetiu exatamente como no dia anterior, gravação e mais gravação, num círculo perpétuo e monótono de trabalho diante das câmaras. — “Vamos gravar de novo e de novo, quantas vezes forem necessárias, não ficou bom!”, berrava o empresário.

No terceiro dia de trabalho, faltou energia e o estúdio estava uma sauna, quando o empresário afirmou: — “Calor algum pode nos atrapalhar, temos metas a cumprir”.

Natanael já tinha trabalhado com muitos patrões, mas nenhum deles tinha sido tão áspero, cruel e desagradável como aquele. — “Não posso continuar trabalhando aqui, tenho dignidade”, protestou. — “Tá achando ruim? pode passar no RH, tem 100 pessoas lá fora querendo a sua vaga”, disse o empresário.

Natanael estava decidido a ir embora, mas encontrou forças para dizer suas últimas palavras ao patrão: — “Eu sou um Papai Noel de verdade, não de mentira”. — “E o que seria um Papai Noel de verdade?”, perguntou o empresário. — “Eu estou dizendo que o meu trabalho anterior era em contato direto com o público, com as crianças”, respondeu Natanael. — “Esse tempo já passou, agora tudo é pelas redes sociais”, disse o empresário.

— “Se eu soubesse que era para gravar videozinho para as redes sociais eu não teria aceitado este trabalho”, retrucou Natanael. — “Você acha mesmo que eu iria contratar um Papai Noel para cada uma de minhas lojas?”. — “Isso é que eu chamo de precarização do trabalho humano”, refletiu criticamente Natanael.

De toda forma, o jeito rude, egoísta e brutal do empresário não o surpreendia. Natanael sabia que as cobranças, as exigências, as metas, faziam parte do mundo corporativo. Tudo aquilo só tinha uma vantagem para o empresário: o sucesso. Ele era um homem de sucesso, fama, poder e dinheiro. — “Você acha que é fácil ser bem sucedido nos negócios nesse país?”. — “Se o senhor quiser conversar eu estou aqui para lhe ouvir”, disse Natanael.

No entanto, o empresário era um homem que vivia para o trabalho. Nunca tinha tempo para a família e para si mesmo. Vivia estressado, parecendo que carregava o peso do mundo nas costas, e carregava!

Até aquele dia ninguém jamais o parou para perguntar-lhe: — “O senhor é feliz?”. “Como vai a sua vida?”. “E a sua espiritualidade?”. “O senhor é cristão? católico? evangélico? budista? ateu?”. “Tudo bem com o senhor?”, indagava Natanael.

O empresário caiu em choro. Chorava igual criança quando faz algum mal feito e é corrigido pelos pais. – “Pode chorar! O choro é o banho da alma”, disse Natanael passando a mão direita nas costas do empresário.

— “Acontece que são muitas cobranças… e nenhum funcionário, nesses anos todos, se aproximou de mim para perguntar se eu precisava de alguma coisa, nenhum familiar ou parente apareceu, uma única vez, para me ouvir, como você estar fazendo agora; para eles eu sou apenas um caixa eletrônico”, desabafou o empresário com lágrimas nos olhos.

— “Meu caro patrão, não seja tão cruel e exigente consigo próprio! Toda pessoa têm seus problemas, suas preocupações. Deixe que cada um siga a sua vida. Quanto a você, seja mais leve, sorria mais, não seja tão exigente com os outros e não seja tão materialista; dessa vida não se leva nada”, aconselhou Natanael.

Fez-se um longo silêncio… — “A partir de hoje eu…”. Quando o empresário ia começando a falar, a energia elétrica voltou. — “Vamos, feche tudo isso aí”, ordenou. — “Por hoje chega de trabalho!”. Sem saber o que responder, Natanael apenas proferiu: — “O senhor pode contar comigo!”.

— “Você tem razão Natanael – voltou a falar o empresário – os parentes distantes são os melhores”. — “E quanto mais distantes, melhores ainda”, completou Natanael. O empresário sorriu e continuou. — “Você concorda que é melhor não ter olhos do que ter olhos maus?”. — “Perfeitamente, patrão!”. — “A partir de hoje não me chame mais de patrão e sim de amigo”. — “Tudo bem!”, exclamou Natanael, parando à porta de saída e passando o lenço pela testa úmida de suor.

Natanael preferiria que fosse assim, pois o que ele mais gostava neste mundo era fazer as pessoas felizes. — “Feliz Natal”, disse Natanael. — “Para você também!”, respondeu o empresário. — “Cuide da sua família, da sua esposa, dos seus filhos”, aconselhou. — “Obrigado, farei isso sim!”, prometeu o empresário.

Enfim, pela primeira vez não havia no tom de voz do empresário ordem de comando, poder, ódio, rancor, raiva ou maldade. E no silêncio da noite, ambos seguiram caminhos diferentes!

Luís Lemos é professor, filósofo e escritor, autor, entre outras obras de: “Filhos da quarentena” e “Amores que transformam”.

Instagram: @luislemosescritor

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