
Adaptação do poema de Cora Coralina.
Joilson Souza.
Era uma manhã de domingo, e o sol entrava pela janela como um convite. Decidi, então, que aquele dia não seria comum. A casa, silenciosa há semanas, precisava de vida. Peguei o rádio antigo da estante e sintonizei uma canção que não ouvia desde a infância. A música preencheu os cômodos, e, sem pensar duas vezes, arrastei o tapete da sala e comecei a dançar. Os pés descalços giravam, as cortinas dançavam com o vento, e até as fotos na parede pareciam sorrir. A casa virou uma festa; não pela bagunça, mas pela alegria que ecoava nas paredes.
Quando a última nota se silenciou, sentei-me no chão, ainda cansado. O silêncio que veio depois não era vazio; era como um templo. Acendi uma vela no altar improvisado sobre a mesa de centro, fechei os olhos e agradeci. Não por algo específico, mas pelo simples milagre de respirar. As preces se misturavam ao aroma do incenso queimado, e por um instante, senti que até o tempo parava para ouvir.
Ao abrir os olhos, percebi os livros empilhados no sofá — aqueles que prometi ler “um dia”. Trouxe lápis, cadernos e espalhei tudo sobre a mesa. A casa, então, virou escola: debati com poetas mortos, rabisquei versos nas margens, ensaiei desenhos que mais pareciam sonhos. Até o Bartolomeu meu cachorro, curioso, subiu no sofá para observar, como um aluno atento.
Passado o almoço, veio aquela vontade súbita de mudar tudo. Tirei os quadros da parede, troquei vasos de lugar, doei roupas que já não cabiam na vida ou na alma. Cada objeto reorganizado era um pedaço do passado que eu libertava. A sala, agora com um vaso de flores colhidas do jardim, parecia respirar melhor.
Na cozinha, experimentei uma receita nova. Ervas do vaso do quintal, temperos esquecidos no fundo do armário. Enquanto a panela chiava, lembrei-me de que cozinhar também é poesia: misturar, provar, ajustar. O aroma invadiu a casa, e eu me surpreendi pensando: “Isso aqui poderia ser um restaurante”. Servi-me em um prato colorido, como se fosse a primeira cliente.
Ao anoitecer, sentei na varanda. As flores que plantei na primavera agora estavam florescendo, pétalas rubras como corações miúdos. Percebi, então, que a casa nunca foi só quatro paredes. Ela é altar, é ciranda, é livros abertos, é panela no fogo. É o lugar onde a vida se reinventa, todos os dias, através de gestos simples.
Cora Coralina tinha razão: fazer da casa um local criativo de amor não é sobre mobília ou tamanho, mas sobre quantas vezes conseguimos transformar rotina em ritual, e o ordinário em beleza. E naquele dia, entre danças, livros e flores, entendi que até o menor lar pode ser um jardim — basta regá-lo com atenção.