Na eleição, 779 pessoas acreditaram em mim. O outro fui eu próprio. Já considerei “pífia” essa votação. Vejo agora que não foi. Sou velho, não tive dinheiro e estava há muito tempo longe da política partidária. São fatores consideráveis. Minha mensagem, na campanha, foi sempre a da honestidade e da transparência. Se esse número de eleitores aceitou essa proposta, cuido que, em condições mais favoráveis, será possível fazer com que ela chegue mais além.
Importa salientar que, em nenhum momento, neguei minhas origens ou minhas convicções. Quem o faz, creio, caminha celeremente para a perda de respeito. Essa postura firme e aberta me permitiu falar francamente com muitos de posições políticas divergentes das minhas e lhes mostrar que está longe de mim o fanatismo, assim como fazê-los ver que jamais pretendi ser proprietário da verdade.
Se assim me expresso é porque não consigo sopitar uma imensa preocupação com o futuro do meu país. Futuro que, para mim mesmo, é de curtíssima duração. Mas tenho filhos e netos, com a breve chegada do primeiro bisneto. Não quero que eles tenham de seu ancestral a imagem de um alienado ou de um mentecapto, capaz de acreditar que a terra é plana. Isso, nunca.
A ditadura de 64 serviu, pelo menos, para mostrar que os militares não detêm o monopólio do patriotismo. Muito ao contrário. Pelas atrocidades e desmandos que praticaram, restou evidente que seu sentimento de Brasil, forjado no autoritarismo, está muito longe da “pátria amada” com que sonhamos. Foram vinte e um anos de sombras e chumbo.
Parece não ter sido suficiente. Ainda se ouvem ecos das vozes que proclamam o negacionismo e o atraso, assim como se fôssemos incapazes de construir uma nação forjada na solidariedade e no respeito absoluto ao ser humano. É isso difícil? Com certeza. Mas são exatamente os obstáculos que nos devem servir de incentivo para, em os superando, conquistar o objetivo de construir uma sociedade mais justa e igualitária.
Nos últimos tempos, tem sido recorrente, aqui em nosso país, a invocação de Deus para justificar atrocidades e ignomínias. E imbecilidades. Assim é que se retoma o ideário fascista para proclamar sandices como “Deus, pátria, família e liberdade”. Mas, coisa curiosa, os que desfraldam essa bandeira são os mesmos responsáveis pela morte de mais de setecentos mil brasileiros, durante a pandemia, pela negação da ciência. Os mesmos que venderam refinarias nacionais a preço de banana, em troca de joias ilegalmente subtraídas do erário. Os mesmos que incentivaram a venda de armas de fogo, ao argumento idiota de que a posse delas é pressuposto da liberdade.
Toda a gente que me conhece sabe que sou ateu e de formação marxista (comunista, se preferirem). Mas sabe também, como deve poder atestar qualquer dos deuses em que os crentes depositam sua fé, que jamais fui partidário de alguma forma de intolerância religiosa. Muito ao contrário. Cuido que ter fé é uma questão de foro íntimo, que há de ser respeitada como qualquer outra convicção. O que não se deve admitir é que, em nome da fé, seja em qual crença ou seita for, a sanidade fique comprometida, de tal forma a permitir espetáculos ridículos e ofensivos ao bom senso.
Mais do que isso: a religião não deve e não pode ser usada como sustentáculo da ignorância grosseira, aquela que tende a negar evidências científicas basilares, a ponto de ensejar que um energúmeno pretenda ser a terra plana. E mais ainda: não deverá abonar a conduta de criaturas ridículas que, alardeando um falso compromisso com a fé, dela fazem uso para a satisfação de interesses pessoais e escusos.
Alongo-me e não gosto disso. Então termino dizendo que, no pouco tempo que me resta, e consciente da minha insignificância, não recuarei um milímetro na luta por um Brasil melhor para todos. Sem fome e sem discriminação. Com escolas eficientes e sem ordem-unida, onde os professores sejam bem remunerados e respeitados. Com um povo consciente de que a construção de seu destino só depende dele mesmo.
Sonho? Talvez. Acho que isso me é permitido.