“Resistência e resiliência”. É assim que o venezuelano Wuilinton Quintero retoma sua trajetória como microempreendedor no Brasil. Há seis anos em Manaus (AM), ele não encontrou nenhum empreendedorismo não apenas um caminho de renda, mas uma forma de reconstruir sua vida com dignidade, mesmo diante de desafios como a barreira do idioma, a adaptação cultural e a informalidade. Sua história é uma entre centenas que vem sendo impulsionada pelo Projeto Negócio Raiz , iniciativa da Aliança Empreendedora com apoio da Youth Business International (YBI) e financiamento da Standard Chartered Foundation, por meio do Programa Futuremakers do Standard Chartered.

Com foco no fortalecimento do ecossistema da bioeconomia nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, o Negócio Raiz já beneficiou mais de 800 microempreendedores só no primeiro ciclo do projeto. Em 2025, as formações acontecem de forma híbrida, com turmas presenciais no Pará e na Bahia e capacitações on-line via WhatsApp, como a que Wuilinton participou em 2024.

Cabeleireiro por vocação, formado pelo Senac Amazonas, Wuilinton passou a atender clientes em domicílio. Hoje, junto com o companheiro, inaugurou seu próprio estúdio de beleza, o Studio W&E . “Saí do meu país por motivos que muitos conhecem. Decidi vir para o Brasil, que é reconhecido mundialmente por sua excelência na área da beleza. Já estou aqui há mais de seis anos, cheguei pela fronteira em Boa Vista, buscando uma chance de recomeçar e crescer como profissional”, afirma o venezuelano.

Um dos principais desafios enfrentados pelos imigrantes que decidem empreender no Brasil é a barreira do idioma. “Com o tempo, fui me acostumando e desenvolvendo uma comunicação afetiva para conseguir me conectar com dois públicos mistos, os estrangeiros, que são os venezuelanos, e as pessoas daqui da cidade, que são as brasileiras. Então, apesar dessas dificuldades, entre elas a Covid-19, me mantive forte e continuei trabalhando mediante agendamento e atendimento a domicílio. Foi um pouco difícil, sim, mas não desisti”, relata.

Wuilinton confirmou o impacto transformador da jornada no Negócio Raiz. “Uma das experiências que mais me marcaram e que desenvolveram para o meu estúdio foi o companheirismo e a oportunidade de conhecer novas pessoas para continuar crescendo como profissional. Para transformar um negócio, você precisa construir ele degrau por degrau, para se sentir orgulhoso do que fez no futuro e manter seu negócio estável e formal. Dando passo a passo, você consegue manter tudo o que precisa. É necessário começar abaixo para alcançar resultados excelentes e, com o tempo, olhar para trás e dizer, eu consegui”, complementa Wuilinton.

Número de empreendedores estrangeiros cresceu 74%

A região Norte segue como a principal porta de entrada de solicitantes de refúgio no Brasil. No terceiro quadrimestre de 2024, a região foi responsável por 72% dos pedidos, ampliando sua participação em relação ao período anterior, quando o índice foi de 51,9%. O aumento representa um crescimento de 45,5%, segundo dados do Portal de Imigração do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

Paralelamente, cresce também o número de imigrantes que buscam no empreendedorismo uma forma de reconstruir a vida no país. De acordo com o Sebrae, entre 2019 e 2023, o total de microempreendedores individuais (MEIs) estrangeiros no Brasil aumentou 74%. Os venezuelanos lideraram a estatística, representando quase 16% dos imigrantes formalizados (12,8 mil), seguidos por bolivianos (13% ou 9,9 mil), colombianos (7,3 mil) e argentinos (6,3 mil). Outros países que figuram entre as principais nacionalidades são Haiti e Uruguai (3,6 mil cada), Peru (3,3 mil), Paraguai (3 mil), Portugal (2,8 mil) e Senegal (1,8 mil).

Em 2024, já eram mais de 76 mil imigrantes formalizados como MEIs e as áreas mais escolhidas por esses empreendedores incluem o comércio varejista de vestuário e acessórios (13,1%), a confecção de roupas, exceto peças íntimas (9,9%), os serviços de beleza (6,13%) e as atividades de ensino (5,28%).

Outros projetos

A Aliança Empreendedora também promove projetos voltados para imigrantes, como o Tecendo Sonhos , por meio do Programa Moda Justa e Sustentável, que capacita imigrantes latino-americanos em temas como saúde financeira, formalização, trabalho justo e empoderamento feminino. “Essas iniciativas mostram que, com apoio certo e integrado com outras organizações, o empreendedorismo pode não ser apenas uma alternativa viável, mas um caminho necessário para quem recomeça no Brasil, já que muitos desses imigrantes enfrentam desafios para se inserirem no mercado formal de trabalho no país”, afirma Cristina Filizzola, coordenadora do Programa Moda Justa e Sustentável e presidente da Aliança Empreendedora.

O projeto Tecendo Sonhos busca promover relações de trabalho mais dignas na cadeia têxtil, com foco em facções de costura, por meio da qualificação empreendedora e contextualização da cadeia produtiva da moda. Voltado a imigrantes com escritórios em São Paulo (SP), oferece capacitação presencial gratuita. Na última edição, realizada em 2024, 36 mulheres foram selecionadas para participar de nove encontros formativos. Três delas, que se destacaram ao longo do processo, foram premiadas com R$ 1.000 para investir no negócio, uma máquina de costura industrial reta e um kit com tesoura, linhas e extintor de incêndio. Uma das mulheres premiadas foi Arody Poma, que inclusive teve sua trajetória reconhecida em uma matéria da ONU Brasil .

Vinda da Bolívia para ajudar a família a quitar uma dívida, Arody enfrentou condições de trabalho análogas à escravidão ao chegar ao Brasil, trabalhando longas jornadas sem direitos ou informação. Sem documentação e com medo constante da deportação, ela demorou a acessar seus direitos. Sua história revela os desafios do empreendedorismo imigrante no país, que muitas vezes já tem uma carreira construída em seus países de origem e precisa recomeçar tudo ao chegar em um novo país, e reforça a importância de iniciativas que impulsionam o microempreendedorismo, que promovem conhecimento, autonomia e oportunidade para mulheres em contextos de vulnerabilidade.

Depois de viver a fase marcada pelo medo, foi o contato com outras mulheres imigrantes que abriram um novo caminho para Arody. “Conheci o projeto Tecendo Sonhos por meio de duas mulheres que já tinham feito o curso. A jornada de conhecimento chegou na hora certa porque eu tinha acabado de abrir meu escritório de costura. Estava em busca de conselhos sobre como fazer dar certo e encontrei isso nas aulas presenciais que tivemos: precificação, regularização, saúde financeira do empreendedor, etc.”, conta Arody, que vive hoje na zona norte de São Paulo, mantém seu escritório formalizado e sonha em expandir o negócio. Seu objetivo é contratar outras pessoas — especialmente imigrantes — e compartilhar com eles os caminhos que descobriram, importando onde buscar capacitação e oportunidades de trabalho com dignidade. Além disso, ela tem um novo plano para este ano: desenvolver suas próprias criações e fazer com que mais pessoas conheçam seus desenhos.

“São muitos os desafios para empreender, principalmente para imigrantes que chegam no país em situação de vulnerabilidade, que acabam montando seu negócio por necessidade ou alternativa para sustentar sua família e procurar relações mais dignas de trabalho. Assim, empreender pode ser uma única alternativa ou também um ato de resistência. Nosso papel é garantir que esse caminho seja possível, digno e sustentável, oferecendo capacitação, formação de rede de apoio e orientação para que eles possam progredir e realizar seus sonhos”, completa Filizzola.

Sobre o Projeto Negócio Raiz
O Negócio Raiz é uma iniciativa da Aliança Empreendedora com apoio da Youth Business International (YBI) e financiamento da Standard Chartered Foundation (SCF), como parte do programa Futuremakers do Standard Chartered. Tem como objetivo apoiar jovens microempreendedores, especialmente das regiões Norte e Nordeste, com capacitação, mentoria e conexão com oportunidades de geração de renda. Mais informações, clique aqui .

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