Os sinais da desastrosa economia turca estão por todo lado na Turquia. Longas filas serpenteiam as proximidades dos quiosques que oferecem pão subsidiado pelo governo. Os preços de medicamentos, leite e papel higiênico estão subindo. Alguns postos de combustíveis fecharam depois de esgotar seu estoque. Irrupções de fúria manifestaram-se nas ruas.
“Desemprego, alto custo de vida, aumentos nos preços e nas contas estão quebrando as pessoas”, afirmou no mês passado a Confederação de Sindicatos Comerciais Progressistas.
Mesmo antes da pandemia de coronavírus e dos gargalos nas cadeias de fornecimento começarem a castigar a economia do mundo, quase dois anos atrás, a Turquia estava tentando evitar a recessão enquanto lutava contra uma dívida gigantesca, perdas acentuadas de valor da lira turca e inflação em elevação. Mas nas semanas recentes, o vagaroso trem a caminho do descarrilamento acelerou-se com uma intensidade feroz. E o pé que acelera mais fundo é do presidente autoritário do país, Recep Tayyip Erdogan.
Por que isso está acontecendo agora?
Os problemas econômicos da Turquia possuem raízes profundas, mas a crise mais recente foi provocada pela insistência de Erdogan em reduzir as taxas de juros frente a uma inflação galopante — precisamente a tática oposta à que economistas prescrevem quase universalmente.
Erdogan, que governa a Turquia há 18 anos, resiste há muito tempo contra essa receita particularmente dolorosa, mas sua determinação em continuar cortando taxas de juros mesmo enquanto a inflação do país atinge estarrecedores 21% parece estar empurrando a Turquia para além do ponto de desequilíbrio.
Normalmente, investidores e outros atores econômicos esperam que o banco central de um país mantenha a inflação sob controle e defina taxas de juros. Mas Erdogan tem mostrado repetidamente que, se presidentes do banco central e ministros das finanças não cumprirem seu desejo, ele se livrará deles — e já despediu três em dois anos.
Câmbio ladeira abaixo
O valor da lira despencou nas semanas recentes, e na segunda-feira atingiu uma baixa recorde — chegando a 14,3 por US$ 1, de cerca de 7 para US$ 1 anteriormente este ano — levando à bancarrota algumas empresas e lares que pegaram dinheiro emprestado no exterior. O acentuado declínio do valor da moeda significa que preços de artigos importados continuam a aumentar. Escassez de produtos é comum, e as pessoas estão com dificuldades para conseguir pagar por alimentos e combustíveis. O índice de desemprego na juventude é de 25%. A popularidade do presidente está afundando, e seus oponentes têm se encorajado.
Com uma eleição marcada para daqui a 18 meses, Erdogan parece convencido de que sua estratégia possibilitará à economia turca crescer e acabar com esses problemas. A maioria dos economistas, contudo, acredita que um colapso é mais provável.
Dobrando a aposta
As agressivas estratégias de Erdogan para o crescimento econômico já funcionaram antes para ele. Desde que começou a governar a Turquia, em 2003, Erdogan encampou dispendiosos projetos de infraestrutura, cortejou investidores estrangeiros e encorajou empresas e consumidores a se endividar. O crescimento decolou.
“A Turquia era considerada um milagre econômico” durante a primeira década do governo de Erdogan, afirmou Kadri Tastan, pesquisador-sênior do German Marshall Fund com base em Bruxelas. A pobreza caiu pela metade, milhões de pessoas ascenderam para a classe média, e investidores estrangeiros eram ávidos para emprestar dinheiro.
Mas a implacável pressão de Erdogan pela expansão tornou-se insustentável. Em vez de retroceder, porém, a euforia dos empréstimos continuou.
A economia cada vez mais instável foi pega em um beco sem saída. Altas taxas de juros estimulariam investidores a aceitar o risco e continuar concedendo empréstimos, mas sufocaram o crescimento. Erdogan não estava disposto a aceitar esse sacrifício e continuou a dar apoio a empréstimos baratos, enquanto a inflação disparou e o valor da moeda despencou.
O presidente dobrou a aposta em sua abordagem, garantindo que nunca recuará de sua oposição a taxas de juros altas. “Taxas de juros deixam ricos mais ricos e pobres mais pobres”, afirmou ele em uma entrevista televisionada nacionalmente, no mês passado. “Evitamos que o país seja esmagado desta maneira.”
Erdogan ainda invocou preceitos islâmicos contra a usura e referiu-se a alterações de juros de empréstimos como “a mãe e o pai de todo mal” e culpou a interferência estrangeira pelos preços em elevação. Analistas como Barkey, do Council on Foreign Relations, afirmaram que tais comentários são primeiramente destinados a ressoar entre os segmentos religiosos mais conservadores do país, que representam o apoio principal a Erdogan.
Uma filosofia própria
E ele insiste que taxas de juros altas causam inflação — mesmo que taxas de juros baixas coloquem mais dinheiro em circulação, encorajem as pessoas a pegar emprestado e gastar mais e produzam tendências de altas nos preços.
“Erdogan tem sua própria filosofia econômica”, afirmou Henri Barkey, pesquisador do Council on Foreign Relations.
O impasse político se abrandou, mas os problemas econômicos subjacentes permaneceram. Erdogan continuou pressionando bancos estatais a conceder empréstimos baratos para lares e empresas, e o frenesi dos empréstimos continuou. “Na verdade, as coisas nunca mais voltaram ao normal”, afirmou Selva Demiralp, economista da Universidade Koc University, de Istambul.
Quando o chefe do banco central resistiu à pressão do presidente para baixar a taxa de juros de 24%, em 2019, Erdogan o demitiu, dando início a um comportamento-padrão.
Para aumentar o valor da lira, os bancos turcos começaram a gastar suas reservas em dólares. Essas reservas estão baixas agora.
O arrefecimento da economia global causado pela pandemia de coronavírus colaborou para o aperto, limitando as vendas de itens turcos em todo o mundo. O setor do turismo, um dos mais prósperos da Turquia, também foi severamente atingido.
Ao manter baixas as taxas de juros, Erdogan argumenta que os consumidores estarão mais dispostos a continuar comprando, e as empresas, mais dispostas a pegar empréstimos, investir dinheiro na economia e contratar.
E se a lira perder valor frente ao dólar, afirma ele, as exportações da Turquia simplesmente ficarão mais baratas, e consumidores estrangeiros comprarão mais.
Isso é verdade até certo grau — mas engendra um pesado ônus. A Turquia depende bastante de importações de peças de carro e medicamentos, assim como de combustível, fertilizantes e outras matérias-primas. Quando a lira se deprecia, esses produtos ficam mais caros.
Investidores assustados
Ao mesmo tempo, o desdém de Erdogan em relação à economia convencional assustou alguns investidores estrangeiros, antes ávidos para emprestar milhões de dólares para empresas da Turquia, mas agora descrentes no futuro da na moeda do país.
E quanto mais baixas as taxas de juros, mais rapidamente a inflação cresce. Ao longo do ano passado, a lira perdeu mais de 45% de seu valor, e o índice oficial de inflação elevou-se para mais de 20%, apesar de muitos analistas acreditarem que a inflação nas ruas é muito maior.
Em comparação, os índices de inflação de 6,8% este ano nos EUA (o mais alto em quase quatro décadas) e de 4,9% na zona do euro foram suficientes para soar alarmes.
Base de Erdogan empobrece
Na Turquia, preços altos estão provocando miséria entre os pobres e empobrecendo a classe média.
“Não conseguimos nos manter”, afirmou Mihriban Aslan, enquanto enfrentava uma longa fila para comprar pão no Distrito de Sultangazi, em Istambul. “Meu marido tem 60 anos, ele não consegue trabalhar tanto agora.” Ele recebe uma pensão de 1,8 mil liras — que, neste momento, valem cerca de US$ 125. “Às vezes faço serviços de costura em casa, para termos um dinheiro a mais”, afirmou ela.
As empresas preferem estocar mercadorias do que vendê-las, porque temem não ser capazes de repor o estoque.
Ismail Arslanturk, um rapaz de 22 anos que trabalha como caixa num mercado de alimentos, reclamou que o preço das lentilhas verdes quase dobrou. “Não acredito que a economia possa ser remediada depois desse ponto”, afirmou Arslanturk, acrescentando que foi forçado a abandonar o ensino médio para ajudar a sustentar sua família. “Não tenho esperança.”
O problema fundamental da Turquia, sustenta Barkey, é que o país possui um líder demasiadamente confiante, que está no poder há muito tempo. “Ele acredita que é onipotente e está cometendo erros”, afirmou Barkey, “mas está cercado de seguidores omissos e ninguém é capaz de contrariá-lo”. (Estadão)