Um tribunal na Alemanha condenou um ex-oficial de inteligência das forças de segurança do ditador da Síria, Bashar al-Assad, à prisão perpétua nesta quinta-feira (13) por crimes contra a humanidade.

Anwar Raslan foi considerado culpado por 58 assassinatos, além de estupros e agressões sexuais em uma prisão de Damasco, capital do país, onde os promotores dizem que ao menos 4.000 ativistas da oposição ao regime foram torturados em 2011 e 2012.

​Raslan, 58, é a autoridade síria de mais alto escalão a ser responsabilizada até agora pelos abusos cometidos durante os dez anos de guerra civil na Síria. Antes dele, em fevereiro de 2021, outro ex-integrante do serviço de inteligência, Eyad al-Gharib, foi condenado a quatro anos e meio de prisão por sua participação em crimes como tortura e privação de liberdade.

Quando a guerra na Síria começou, Raslan era o chefe de interrogatórios de um gabinete de segurança em Damasco. Em 2012, quando o regime matou mais de 100 pessoas em um ataque a sua cidade natal, Raslan fugiu do país e se juntou aos opositores exilados em Genebra, na Suíça. Em 2014, mudou-se com a família para a Alemanha e lá foi preso em 2019.

Raslan nega as acusações e diz que nunca se envolveu com tortura. No julgamento, disse ainda que sua autoridade na administração do centro de interrogatórios era limitada. Com base em seus antecedentes e no depoimento de testemunhas que denunciaram uma série de violações e maus-tratos, o ex-oficial de inteligência foi considerado culpado pela Justiça alemã.

A decisão foi proferida por um tribunal em Koblenz, no oeste da Alemanha. Os promotores asseguraram que o julgamento ocorresse sob o princípio da jurisdição universal, que diz que alguns crimes são tão graves que podem ser julgados em qualquer lugar do mundo.

Esta foi uma das soluções jurídicas a que recorreram as vítimas da violência do conflito depois que Rússia e China vetaram no Conselho de Segurança da ONU o encaminhamento da crise na Síria ao Tribunal Penal Internacional que, historicamente, é a jurisdição responsável por julgar crimes contra a humanidade.

Na próxima semana, terá início em Frankfurt o julgamento de um médico sírio acusado de torturar prisioneiros em um hospital militar na cidade de Homs e de assassinar pelo menos um deles com uma injeção letal.

“O julgamento demonstra que a responsabilização pelas atrocidades hediondas do regime de Assad é possível, que as evidências são esmagadoras e serão aceitas pelos tribunais, se promotores e juízes nacionais decidirem agir”, disse Eric Witte, da Open Society Justice Initiative, grupo que promove direitos humanos e democracia e que apoiou várias testemunhas no caso.

“Por mais que congratulemos o resultado deste julgamento, não devemos esquecer que a crueldade dos crimes provados em tribunal continua até hoje na Síria”, acrescentou Witte.

A ditadura é acusada de, entre outros atos de violência, bombardear bairros residenciais, usar gás venenoso como arma de guerra e torturar milhares de opositores. O regime de Assad nega as acusações.

O ditador permanece no poder. Em maio de 2021, saiu vitorioso de um pleito boicotado pela oposição e não reconhecido pela comunidade internacional. Assad e os membros mais importantes do seu entorno raramente deixam a Síria, a não ser para viajar a países onde sabem que não terão problemas, como a Rússia, que apoia o regime e mudou os rumos da guerra ao conduzir operações militares no país em 2015.

Não há indicação de que Assad, seus conselheiros e seus comandantes militares serão julgados em breve pelas ações no conflito. Mas, para Stefanie Bock, diretora do Centro Internacional de Pesquisa e Documentação para Julgamentos de Crimes de Guerra da Universidade de Marburg, na Alemanha, a sentença de Raslan, é um marco fundamental.

“Esta é a primeira vez que membros do regime de Assad são julgados por um tribunal criminal comum”, disse a pesquisadora ao jornal americano The New York Times. “Isso envia uma mensagem clara ao mundo de que certos crimes não ficarão impunes.”

A guerra da Síria, que começou em 2011 como uma revolução democrática, com multidões de homens, mulheres e crianças confiantes de que derrubariam o ditador e refundariam o país, degringolou para um conflito sem solução, com Rússia e Irã com Assad e Turquia, EUA e países do Golfo com a fragmentada oposição.

Além das centenas de milhares de mortos ao longo da década de conflito, dezenas de milhares de sírios continuam desaparecidos, enquanto outras dezenas de milhares foram detidos e mortos, torturados ou estuprados enquanto estavam presos, segundo relatórios da Organização das Nações Unidas. (Folha de S.Paulo)

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