Atividades como a venda irregular de combustível, ouro, cigarro e álcool se tornaram mais lucrativas para as organizações criminosas no país

Da revenda de combustíveis, garimpo ilegal de ouro ao contrabando de cigarros e bebidas alcoólicas, o crime organizado avançou sobre diversos setores que ultrapassam as fronteiras do mercado de ilícitos no Brasil.

Segundo um estudo feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em fevereiro deste ano, o tráfico de cocaína, por exemplo, já não é uma atividade que mais dá dinheiro para o crime no país. A pesquisa aponta que atividades como a venda irregular de combustível, ouro, cigarro e álcool se tornaram mais lucrativas.

Conforme a pesquisa Rastreamento de Produtos e Enfrentamento ao Crime Organizado no Brasil, em 2022, as facções como o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho) movimentaram R$ 146,8 bilhões com a comercialização de combustível, ouro, cigarros e bebida alcoólica.

Um outro estudo, agora feito pela Esfera Brasil, divulgada em junho de 2025, identificou ao menos 21 atividades legais e ilegais com fluxos ilícitos que passam por regiões brasileiras. O PCC estaria presente em 23 estados, com grande influência nas fronteiras com Paraguai e Bolívia. Já o CV teria integrantes em 20 estados, com maior atuação no Norte e Nordeste brasileiros.

Primeiro Comando da Capital

Nos últimos anos, investigações já apontaram que o PCC utiliza diversos negócios formais para dar aparência legal ao dinheiro do crime: postos de combustíveis, padarias, motéis, empresas de ônibus, mercado imobiliário, contratos de futebol, bets e fintechs.

O esquema de lavagem de dinheiro utilizado pela facção é vasto e diversificado, utilizando diversos ramos empresariais para injetar e “limpar” os recursos na economia formal:

  • Setor Hoteleiro (motéis): Mais de 60 motéis registrados em nome de “laranjas” e que movimentaram R$ 450 milhões entre 2020 e 2024 foram identificados como ligados à facção. Um único estabelecimento chegou a distribuir 64% de sua receita bruta declarada em lucros. Restaurantes localizados nos motéis, com CNPJs próprios, também integravam o esquema;
  • Setor de combustíveis: Centenas de postos, sendo pelo menos 267 ativos, foram usados pela facção para movimentar mais de R$ 4,5 bilhões entre 2020 e 2024. Esse setor é associado a grandes fraudes fiscais e contábeis, e foi indentificado na Operação Carbono Oculto, que descobriu ainda o uso de metanol para adulterar o combustível comercializado nos postos;
  • Padarias e lojas de conveniência: Ainda no âmbito da Operação Carbono Oculto, as investigações encontram indícios de que as lojas de conveniência dos postos, além de padarias em alguns bairros da capital, também participavam do esquema para a lavagem do dinheiro;
  • Setor imobiliário e construção civil: O dinheiro era lavado por meio de operações imobiliárias, como a aquisição de imóveis caros usando CNPJs de estabelecimentos “limpos”. Além disso, SCPs (Sociedades em Conta de Participação) eram utilizadas para a construção de empreendimentos imobiliários, movimentando cerca de R$ 260 milhões;
  • Empresas de ônibus: Uma operação deflagrada pelo MPSP (Ministério Público de São Paulo), em abril desse ano, teve como alvo as empresas Transwolff e UPBus, que operam linhas municipais de São Paulo. De acordo com a investigação, as empresas, que transportam diariamente mais de 700 mil passageiros na capital paulista, são ligadas ao PCC e utilizadas para lavar dinheiro obtido com diversos crimes, como tráfico de drogas e roubos;
  • Futebol e bets: A parceria entre o Corinthians e a casa de apostas VaideBet, inicialmente celebrada como o maior contrato de patrocínio máster do futebol brasileiro, desdobrou-se em uma complexa investigação policial que levanta suspeitas de lavagem de dinheiro e associação criminosa, além de identificar ligações com o crime organizado. Uma operação da Polícia Civil do Rio de Janeiro também identificou uma rede milionária de apostas online, lavagem de dinheiro e contrabando de cigarros, com conexões com o PCC;
  • Lojas de brinquedos: A Operação Push mira lojas de brinquedos infantis, especificamente o comércio de pelúcias, localizadas em shoppings de São Paulo e região. Quatro dessas lojas foram constituídas por vultosos investimentos da ex-companheira e irmã de Claudio Marcos de Almeida, conhecido como “Django”, um traficante de destaque na facção morto em 2022.

Comando Vermelho

No Rio de Janeiro, o CV também utiliza de setores lícitos e alternativos para dar aparência legal ao dinheiro do crime:

  • Aplicativos de transporte: em agosto deste ano, a Polícia Civil do estado descobriu um esquema milionário de transporte clandestino comandado pela facção, em que mototaxistas eram obrigados a instalar e usar um aplicativo criado pela própria facção. Com aparência de plataforma legal de mobilidade urbana, o sistema alimentava o caixa do tráfico de drogas;
  • Gás de cozinha: em um levantamento feito pela CNN Brasil em 2021, cerca de 3,7 milhões de pessoas viviam em favelas e bairros controlados por algum grupo criminoso no Rio. À época do estudo, esse moradores estavam sujeitos a pagar até 30% mais caro do que o comum por um botijão de 13 kg por imposição de milicianos e traficantes de drogas.

“O que a milícia faz é um modelo de monopólio e ao mesmo tempo de extorsão. O que verificamos é que o tráfico também passou a explorar esse serviço, mas de uma forma mais tímida”, explicou o pesquisador Daniel Hirata, do NECVU-UFRJ (Núcleo de Estudos de Cidadania, Conflito e Violência Urbana) e professor de Ciências Sociais da UFF (Universidade Federal Fluminense).

Com informações de CNN Brasil.

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