Com o passar dos anos, os filhos dos filhos do povoado cresceram ouvindo histórias sobre o Filósofo da Floresta. Era como se ele fosse uma lenda viva. Mas, para eles, não era apenas um conto contado ao redor da fogueira, era verdade. Sentiam isso na pele, no cheiro da mata, no sabor das frutas, no silêncio das manhãs. A floresta não era cenário; era mestra, amiga, casa, vida, amor… Tudo ali remetia, de forma direta ou sutil, à passagem do Filósofo da Floresta entre eles. Ele plantou uma semente, deixou uma marca, uma referência que jamais se apagaria da memória, da vida, da política, da educação e da espiritualidade daquele povo.

Dentre essas novas crianças havia três que se destacavam pela forma como se relacionavam com o mundo ao redor. Maíra, de olhos castanhos profundos como igarapés, era neta de Kaíque. Desde pequena, conversava com os animais como se compreendesse sua linguagem. Passava horas observando o movimento das formigas, o abrir e fechar das flores, o voo das garças. Costumava dizer que a floresta tinha um tempo que não era o do relógio, mas o do coração. Era conhecida por suas mãos leves, capazes de curar com ervas e canções que pareciam sair da profundeza da terra, das raízes das plantas.

Arani, filho de pescadores, tinha o corpo ágil e o espírito contemplativo. Amava o rio como se fosse uma extensão de si mesmo. Sabia os nomes dos peixes, das árvores, reconhecia os cantos dos pássaros e os sinais da chuva. Com apenas treze anos, já conduzia pequenas canoas pelo leito calmo das águas, ensinando os mais novos a pescar com respeito e gratidão.

Jaci, a mais nova do trio, era como uma brisa que passava suave. Amava esculpir pequenos animais em madeira, moldando com paciência o que via e sentia. Diziam que suas mãos eram guiadas por uma memória antiga, como se nela ainda habitassem os gestos do Filósofo da Floresta. Era ela quem, durante os rituais da lua cheia, conduzia as vozes em oração, com um cântico que tocava até as folhas mais altas das árvores.

Essas crianças não desejavam fama, nem riquezas. Suas aspirações eram simples: preservar o que tinham, viver em equilíbrio, e continuar os ensinamentos daquele que havia despertado o espírito do vilarejo, o Filósofo da Floresta. Juntos, criaram um espaço chamado “Casa do Filósofo”, onde os mais velhos ensinavam os mais novos, onde sementes eram trocadas, histórias eram contadas e onde a simplicidade era celebrada como o maior dos tesouros.

Na Casa do Filósofo, não havia paredes fechadas, apenas troncos, cipós, folhas e silêncio. O tempo ali era marcado pelas fases da lua, pelas chuvas e pela maturação dos frutos. As crianças aprendiam que a vida não precisava ser corrida, que o alimento não vinha de prateleiras, mas da terra viva. Que cada ato simples: colher, cantar, pescar, ouvir os mais velhos, era sagrado.

E foi assim, de geração em geração, que o povoado se transformou. Enquanto na capital do estado, Manaus, as pessoas corriam em busca de progresso, ali se vivia o eterno presente. O passado era honrado, o futuro não era temido, e o agora era celebrado com pés descalços e corações abertos.

De tempos em tempos, alguém dizia ter sentido a presença do Filósofo da Floresta. Uma brisa inesperada, um sussurro entre os galhos, um sonho revelador. Mas ninguém mais o procurava, porque todos haviam entendido: ele não partira. Ele agora era vivo, presente, no pensamento, nas atitudes e nos corações daquelas pessoas.

Misteriosamente, o Filósofo da Floresta estava presente na criança que ria debaixo de chuva, no brilho da estrela que guia sem dizer o caminho, no sussurro das folhas que dançam ao vento sem perguntar por quê. Ele habitava o instante em que o tempo se esquecia de passar, e sua voz ecoava não nos sons, mas nas pausas que ensinam a escutar. E o povo, sempre que se reunia à luz da lua cheia, cantava:

— “Ó Mãe Natureza, escuta minha voz. Concede-me viver em teu seio sagrado. Que eu sinta o agora, pois tudo flui. Sou raiz na terra, vento em movimento. Chama que não se apaga, alma da floresta. Meu peito é tambor, meu canto é luz. Meu grito, semente que segue o poente. Não tenho correntes, nem medo. Sou folha que dança, brisa que passa. Minha alma é mata, minha voz, liberdade. Nada possuo e por isso sou tudo que flui.”

Luís Lemos é professor, filósofo, escritor, autor, entre outras obras de, “O primeiro olhar” (2011), “O homem religioso” (2016), “Jesus e Ajuricaba na terra das amazonas” (2019), “Filhos da quarentena” (2021) e “Amores que transformam” (2024).

Instagram: @luislemosescrito

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