Por Luís Lemos

Na comunidade do “Filósofo da Floresta”, os sinais se multiplicavam. O silêncio dos animais, o choro da terra, o calor incomum das águas… Eram os sussurros do invisível tentando romper o véu do esquecimento. Maíra, Arani e Jaci sabiam que não estavam sozinhos. Os antigos haviam começado a se mover.

Numa noite de neblina baixa e estrelas veladas, a anciã Yara sonhou com o boto-cor-de-rosa, mensageiro dos rios e guardião dos mistérios. Ele emergia das águas turvas com os olhos tristes e dizia: 

“A memória das águas está se esvaindo. Os humanos esqueceram as palavras do Filósofo da Floresta”.

Ao acordar, Yara consultou o círculo dos sonhos, um tronco antigo onde os mais sábios da comunidade deixavam registros orais. Ali, o nome “Omama”, referente aos espíritos ancestrais, foi pronunciado com temor. Diziam que, quando a floresta perde seu equilíbrio, Omama desperta, não como castigo, mas como reflexo da ira dos seres que habitam e protegem a floresta.

Arani lembrou-se da lenda da Cobra Grande, que habita as profundezas da floresta. Dizem que ela dorme enrolada no coração da Terra, e quando o mundo está em desordem, seu corpo se contorce, provocando tremores e enchentes. Naquela semana, o solo tremeu levemente três vezes, como suspiros de um gigante inquieto.

Enquanto isso, Maíra, guiada por visões, adentrou a mata em silêncio. No centro de uma clareira esquecida, encontrou uma árvore de sumaúma: alta, majestosa, guardiã de segredos milenares. Ao tocar seu tronco, ouviu a voz do Filósofo da Floresta, suave como brisa:

— “Escute com o corpo. Fale com os ciclos. A floresta é feita de escuta. E os espíritos da floresta só falam com quem não teme o silêncio”.

Ali, Maíra viu o reflexo da Iara, a senhora das águas, emergindo do igarapé. Mas não estava serena como nas lendas: seus olhos traziam dor. Ela lamentava a destruição dos leitos dos rios, a fuga dos peixes, o descompasso das chuvas. Disse que se os humanos continuassem a ignorar os avisos, os espíritos da floresta deixariam de proteger.

Jaci, por sua vez, recebeu uma visita nos sonhos: Ajuricaba, o guerreiro ancestral, símbolo de resistência contra os invasores do passado. Ele surgia montado em um boto-cor-de-rosa, com arco de luz, e dizia:

— “A luta não se faz apenas com armas. Ela começa onde a memória permanece viva. Não deixem que apaguem os nomes antigos, nem as histórias que os anciãos contam”.

Quando Jaci revelou ou seu sonho, tomados pela urgência do sagrado, o povoado decidiu agir. Realizaram o ritual do “Filósofo da Floresta”, entoando cantos antropológicos e mantras sagrados da Amazônia. Pediram perdão, pediram força, pediram coragem…

E naquela noite, ao redor da fogueira, a voz do Filósofo da Floresta se fez ouvir mais uma vez. O vento dançava entre as folhas, os animais voltaram a cantar. Era como se Omama tivesse aceitado a vigília do povo. Maíra ergueu as mãos aos céus e disse:

— “Não protegemos a floresta. Somos ela. E se ela cair, cairemos também”.

E todos repetiram, em única voz, as palavras do Filósofo da Floresta:

— “O que ferimos na Natureza, primeiro apodrece em nós”.
Apesar de todo sofrimento, de tanta dor, agora, ao menos, o povo estava desperto. Com olhos abertos, ouvidos atentos e pés firmes sobre a terra que pulsava, estavam unidos contra a invasão dos garimpeiros, madeireiros e destruidores da floresta…

E começaram a canta juntos, como num ritual de guerra:

— “[…] Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.

Luís Lemos é professor, filósofo, escritor, autor, entre outras obras de, “O primeiro olhar” (2011), “O homem religioso” (2016), “Jesus e Ajuricaba na terra das amazonas” (2019), “Filhos da quarentena” (2021) e “Amores que transformam” (2024).

Instagram: @luislemosescrito

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