Dia desses, com a aproximação do final do ano, eu fui ao centro de Manaus, a pedido da minha esposa, comprar produtos natalinos e fiquei com o coração apertado diante de uma cena que não deveria existir.
Uma mulher grávida, com uma criança no colo e outra maiorzinha ao seu lado, pedindo esmola. Fiquei indignado quando um jovem de pele branca, calçando tênis nike, bermuda jeans, óculos ray-ban, relógio de marca no pulso, lhe disse:
“Volta para o teu país sua vagabunda”.
Vendo tal situação, passei a me perguntar: “Por que daquela atitude? Até quando isso vai continuar? Um dia isso vai mudar?”.
No fundo, sabemos que a vida é coisa preciosa demais para ser tão maltratada e que tudo deveria ser diferente.
Certamente aquela mulher não teve as mesmas oportunidades que aquele jovem e se teve não é justo que ele a trate de forma tão cruel e desumana.
A criança que estava no colo da mulher começou a chorar. Ela colocou o peito murcho e flácido para fora e deu para a criança, que sugou vorazmente e parou de chorar.
Enquanto a outra criança maioriazinha estendia a mão para receber a esmola que um transeunte lhe dava, a mulher agradecia balançando a cabeça:
“Gracias”. “Gracias”. “Que Dios te lo pague”.
Uma senhora de meia idade, de aparência elegante e de boas maneiras, muito arrumada e limpa, com uma bíblia colorida debaixo do braço, se aproximou daquela mulher e lhe disse:
“Hoje temos culto na minha igreja. Se a senhora quiser mudar de vida venha nos visitar” – dizendo isso ela lhe entregou um convite que tinha o endereço e o horário do culto.
“Gracias”. “Gracias”. “Que Dios te lo pague” – disse a mulher.
Nós temos tantas carências, angústias, sofrimentos, medo, dor… O mundo anda tão violento, tão desumano, tão injusto…Durante o tempo que eu fiquei ali parado, acho que uns trinta minutos, pude observar que, infelizmente, existem pessoas que lucram com a miséria do outro.
Do meio da multidão um homem surgiu do nada e parado diante daquela mulher, lhe convenceu comprar um “bilhete da sorte”, dizendo:
“A sorte espera por você! Sua vida vai mudar”.
A mulher contou o dinheiro: uma nota de cinco reais, duas notas de dois reais e uma moeda de um real, perfazendo o total de dez reais. Pagou o “bilhete da sorte”, guardou-o no sutiã e disse em voz alta olhando para o filho maiozinho:
“Ahora si vamos ser ricos niños”.
Eu não condenei a atitude daquela senhora, quem afinal não sonha ser rico? Quem nunca jogou na mega sena acumulada? Eu só fiquei com pena das crianças porque elas não tinham nada para comer e choravam muito.
Diante de situações difíceis como esta, o que você costuma fazer? Eu abri a carteira e tirei todo o dinheiro que a minha esposa havia me dado para comprar os enfeites de Natal e dei para aquela senhora comprar comida para os filhos.
“Somente comida, nada mais do que comida” – disse.
Em casa, contei para a minha esposa o ocorrido, dizendo que este ano não teríamos os enfeites de Natal.
“Do jeito que as coisas estão, deve estar chegando o fim do mundo” – foi tudo o que ela me disse!
Luís Lemos é professor, filósofo e escritor, autor, entre outras obras de: “Filhos da quarentena” e “Amores que transformam”.
Instagram: @luislemosescritor