O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria a favor da recusa à transfusão de sangue por testemunhas de Jeová. Os ministros analisam, em dois recursos com repercussão geral, se testemunhas de Jeová podem se recusar a fazer transfusão de sangue em tratamentos realizados pelo Sistema Único da Saúde (SUS) e se o Estado deve custear o tratamento alternativo. As testemunhas de Jeová não fazem transfusão por razões religiosas.
Até agora, com a maioria, os ministros dizem que é possível ter a recusa com tratamentos alternativos custeados pelo SUS. A maioria na votação se formou com o voto no ministro Kásssio Nunes Marques, que abriu a votação nesta quarta-feira (25/9).
Nunes Marques acompanhou os dois relatores dos casos, ministros Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo, e Gilmar Mendes. Ambos consideraram que a liberdade religiosa assegura ao paciente a opção de rejeitar o procedimento médico, desde que a decisão seja tomada de forma livre, consciente e informada das consequências.
Para Barroso, havendo a possibilidade de tratamento alternativo à transfusão de sangue no SUS, é dever do Estado garantir que o paciente testemunha de Jeová tenha acesso a esse procedimento, inclusive com o custeio de eventual transporte e estadia em outro estado, desde que não seja um custo desproporcional.
Melhor interesse
Os ministros Flávio Dino, Cristiano Zanin e André Mendonça também acompanharam os relatores, mas disseram acreditar haver a necessidade de discutir a situação de crianças e adolescentes. Zanin sugeriu que, nesses casos, deve prevalecer o princípio do melhor interesse para a saúde e a vida da criança.
O ministro Barroso acolheu a proposta e acrescentou em seu voto que a recusa de tratamento só pode ser manifestada em relação ao próprio interessado, sem extensão aos filhos menores de idade. Essa parte ainda será discutida na tese que se consolidará em plenário.
Análise
A questão é discutida nos recursos extraordinários RE 979742 e no RE 1212272. O tema teve repercussão geral reconhecida. Ou seja, o entendimento do STF será aplicado em outros casos.
Os dois julgamentos trazem para a Corte o caso de uma mulher que não aceitou transfusão de sangue durante cirurgia cardíaca na Santa Casa de Misericórdia de Maceió (AL), e a unidade de Saúde não realizou o procedimento. O outro caso é de um homem, também testemunha de Jeová, que pediu à Justiça custeio de uma cirurgia ortopédica pelo SUS sem a possibilidade de transfusão de sangue, além do pagamento dos gastos com o tratamento.
No caso do homem, o recurso a ser analisado foi interposto pela União contra acórdão da Turma Recursal do Juizado Especial Federal do Amazonas e Roraima, que a condenou, juntamente com o estado do Amazonas e o município de Manaus, a custear um procedimento cirúrgico indisponível na rede pública, pois a religião do paciente proibia a transfusão de sangue.
A Turma Recursal considerou que os três entes federativos deviam se responsabilizar pelo custeio de uma cirurgia de artroplastia total primária cerâmica sem transfusão, em hospital público ou particular, na modalidade Tratamento Fora do Domicílio, pois o procedimento não estava disponível na rede do estado.
Ainda segundo a decisão, a administração pública era obrigada a disponibilizar cobertura assistencial integral como consultas, rotinas médicas e medicamentos, para a completa recuperação da saúde do paciente. Está previsto ainda o pagamento pela União dos custos com o paciente e um acompanhante, além de passagens aéreas, traslados, hospedagem, alimentação e ajuda de custo até a completa realização do tratamento.
Decisão e recurso
A decisão foi baseada no fundamento de que o Poder Público deve garantir o direito à saúde de maneira compatível com as convicções religiosas do cidadão, “uma vez que não basta garantir a sua sobrevivência, mas uma existência digna, com respeito às crenças de cada um”.
No recurso apresentado ao STF, a União argumentou que o acolhimento do pedido de custeio de tratamento médico cria uma preferência em relação aos demais pacientes, o que afrontaria o princípio da isonomia.
Alega ainda violação ao princípio da razoabilidade, já que qualquer procedimento cirúrgico pode ter complicações e, eventualmente, exigir a transfusão de sangue. A Procuradoria Geral da República, à época, opinou pelo desprovimento do recurso, pois entende que não foi demonstrada a impossibilidade da realização da cirurgia sem transfusão de sangue.
No caso da mulher, ela alega que o Estado não pode impor um procedimento médico recusado por ela, já que o hospital optou por não fazer a cirurgia.