No campo minado que se tornou o estratégico Golfo de Omã, duas explosões deram partida a mais uma semana de troca de acusações entre Estados Unidos e Irã, potências que não se bicam há décadas. A temperatura chegou ao auge na quinta-feira 20, quando mísseis terra-ar iranianos abateram um drone militar de espionagem americano. Uma semana antes, dois navios, um carregando nafta e o outro, metanol, tiveram de ser evacuados por causa de incêndios suspeitos — uma repetição, em escala bem mais potente, da sabotagem de quatro petroleiros nas mesmas águas, em maio. Americanos acusaram iranianos, que negaram tudo. Pelo sim, pelo não, o governo de Donald Trump despachou mais 1 000 soldados para a área — onde já estão 1 500 militares e um porta-aviões. De seu lado, o presidente do Irã, Hassan Rouhani, anunciou ao mundo que o país vem, sim, intensificando o estoque de urânio e seu enriquecimento — uma tentativa apocalíptica de convencer a Europa e a China, principalmente, de que está perdendo a paciência diante da pressão dos EUA.
Estados Unidos e Irã confirmaram todos os detalhes do incidente com o drone não tripulado, discordando em um único ponto crucial: onde ele voava. Segundo o Irã, era sobre seu território; Washington afirma que era em espaço aéreo internacional. A resposta a essa questão será fundamental para os próximos passos dos dois lados, que até agora vinham garantindo tentar de tudo para evitar uma guerra. “Provavelmente o Irã cometeu um erro. É difícil imaginar que tenha sido intencional”, disse Trump. Na ausência de um motivo inescapável para partir para a briga, os dois países dançam no ringue, com a guarda erguida, emitindo sinais de força. “Donald Trump defende a posição de que os Estados Unidos não devem entrar em nenhuma guerra nova, a não ser que um incidente muito grave aconteça”, disse a VEJA Hooshang Amirahmadi, presidente do Conselho Iraniano-Americano.
Poucas horas depois de serem divulgadas as imagens da fumaça erguendo-se do casco das duas embarcações, o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, acusou Teerã pelos “ataques gratuitos”, que “representam uma clara ameaça à paz e à segurança internacionais”. Mohammad Javad Zarif, o chanceler iraniano, rebateu com ironia: “Suspeito é pouco para descrever o que aconteceu nesta manhã”. À noite, o comando militar americano apresentou o que disse ser uma prova da participação iraniana nos ataques: um vídeo que mostra um barco, supostamente da Guarda Revolucionária do Irã, próximo ao petroleiro Kokuka Courageous, um dos afetados — ele estaria lá para recuperar uma mina que não explodiu e apagar rastros. A empresa japonesa dona do navio contestou a tese, ao afirmar que o ataque não veio de perto da água, mas sim do ar. A preocupação do Japão em pôr panos quentes na briga faz sentido: o país depende quase inteiramente do petróleo iraniano e o primeiro-ministro Shinzo Abe estava naquele momento em Teerã, tentando costurar um canal de comunicação entre Trump e Rouhani.
As ameaças que o presidente iraniano está lançando — ultrapassar o estoque permitido de 300 quilos de urânio (o que diz que acontecerá na quinta-feira 27) e elevar o nível de enriquecimento dos atuais 3,7% para 20% — têm a ver com um acordo que o Irã firmou em 2015 com seis países (Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia, China e Alemanha), comprometendo-se a frear sua indústria nuclear (leia-se: corrida para a bomba atômica) em troca da suspensão de sanções econômicas internacionais que estrangulavam a economia iraniana. Um dos primeiros atos de Trump ao assumir o governo foi cair fora do acordo, que sempre qualificou de “péssimo”. O Irã continuou cumprindo os termos, esperando retribuição significativa dos outros cinco signatários. Mas as sanções voltaram, e exportar petróleo ficou bem mais difícil (as multas cobradas pelos Estados Unidos de países que as desafiam são pesadíssimas).
Pelos golfos de Omã e Pérsico, contíguos, passam 30% de todo o petróleo consumido atualmente. “Se essas águas se tornarem pouco seguras, o suprimento do mundo ocidental inteiro poderá correr risco”, alertou Paolo d’Amico, presidente da Associação Internacional de Proprietários Independentes de Petroleiros. O Irã ocupa um lado inteiro da via aquática e controla, pela proximidade, o crucial Estreito de Ormuz, que une os golfos. Na outra margem estão vários emirados e, reinando sobre a maior parte deles, a Arábia Saudita, inimiga figadal do Irã, por motivos religiosos, comerciais e geopolíticos.
Rouhani — ou, mais precisamente, Ali Khamenei, o aiatolá que detém o poder real no Irã — esperneia agora para achar formas de driblar as sanções enquanto, nos bastidores, se desenha alguma trilha que permita aos dois lados sentar-se à mesa de negociação (tanto Trump quanto Rouhani manifestam fervorosas intenções nesse sentido). Ou que, no melhor dos mundos para o Irã, Trump perca a eleição em 2020, os Estados Unidos retornem ao acordo e as sanções desapareçam. O planeta, em suspense, espera para ver quem pisca primeiro.
(Veja)