Utilizando tese “Custos Vulnerabilis” – termo em latim que significa “Guardião dos Vulneráveis”, a Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) obteve em tempo recorde autorização para que um adolescente da etnia Korubo aldeado na região do Vale do Javari (a 1.240 quilômetros de Manaus) se deslocasse no trecho intermunicipal Tabatinga-Manaus.
O jovem de 17 anos precisava auxiliar a companheira (falante exclusiva do idioma Korubo) a adquirir informações da filha de apenas um mês internada na capital. A mulher enfrentava dificuldades para se comunicar com os profissionais de saúde.
Por não possuir documento de identificação com foto, apenas a certidão de nascimento, a tensão e o medo de perder as passagens aéreas fornecidas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) só aumentavam o desespero do adolescente frente ao episódio que demandava urgência.
Conforme a defensora pública Luisa Lana, que atuou no caso, o jovem estava na condição de vulnerável jurídico, uma vez que a representação processual deveria ser pelos seus genitores, mas que também estavam aldeados.
“Essa situação chegou para nós pela manhã do mesmo dia da viagem marcada para tarde. Fizemos o possível e, dada a urgência, acionamos o juiz e explicamos a situação. Já nos primeiros minutos do plantão encaminhamos a demanda. Com muita rapidez, o juiz analisou e a decisão saiu. Tudo isso em menos de duas horas, e ele conseguiu viajar para auxiliar na situação da filha doente e prestar apoio emocional para esposa”.
A solicitação do documento de identidade para o embarque de passageiros a partir de 12 anos é uma exigência da ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil). No entanto, o juiz plantonista entendeu “pelo suprimento da obrigatoriedade de apresentar documentação de identificação civil com foto em casos excepcionais, como as viagens por motivo de saúde, ou a exemplo do caso presente em que o adolescente não está portando o documento de identificação com foto por não dispor do documento por se tratar de, não falante do idioma português”, conforme trecho da decisão.
Missão e sensibilidade
Na avaliação da defensora Luisa Lana, a causa reforça o compromisso da missão institucional da Defensoria Pública de defesa de todas as pessoas em condição de vulnerabilidade em suas diversas modalidades. Além disso, desperta para a sensibilidade e olhar mais atento às inúmeras demandas e suas especificidades.
“De fato, é um caso que chama atenção pela rapidez com que foi resolvido e pela sensibilidade do juiz em fazer fluir tudo no mesmo dia. O interessante é que ele tem 17 anos e precisava estar representado pelos pais na ação, mas os pais também estavam na aldeia, então colocamos a Defensoria como ‘Custo Vulnerabilis’, para poder garantir esse acesso à Justiça”.
Custos Vulnerabilis
Em setembro deste ano, a DPE-AM comemorou os 10 anos da tese “Custos Vulnerabilis”, que possibilita à Defensoria Pública atuar em processos judiciais como guardiã de grupos ou pessoas em situação de vulnerabilidade, mesmo que esses já estejam representados por um advogado. O objetivo central é fortalecer a defesa daqueles que mais necessitam.
A tese, criada no Amazonas em 2014, encontrou forte acolhimento entre os membros da Defensoria de todo o País e no Poder Judiciário. O Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM) já reconhecia a tese desde 2016, três anos depois foi aceita pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2023.
A tese amplia as possibilidades de proteção aos grupos vulneráveis por meio da atuação institucional da Defensoria Pública.