Nesta edição do projeto Vozes da Filosofia de Manaus, entrevistamos o filósofo Vlamir do Nascimento Seabra, cuja trajetória de vida se entrelaça com a própria história recente da capital amazonense. A seguir, ele compartilha um pouco de sua caminhada, suas influências e reflexões no campo da Filosofia.

1. Quem é você? Conte-nos, brevemente, um pouco sobre sua trajetória de vida. Em que instituição e em que ano você se formou em Filosofia?

“Eu nasci em Manaus. Meu pai era vendedor de títulos de clube (Bancrevea, AABB, Nacional), atividade profissional muito comum em Manaus na década de 1980, pois a cidade estava experimentando o início do boom da Zona Franca de Manaus. Minha mãe era ligada ao lar, mas vendia perfumes, roupas e outros objetos. Passei minha infância no bairro da Alvorada, que surgiu com a explosão demográfica de Manaus a partir da implantação do Distrito Industrial. Foi uma infância complicada, pois era um bairro recém-criado, sem infraestrutura básica de transporte, urbanização e lazer. A maioria dos meus amigos participava de grupos de jovens da Igreja Católica. Durante minha juventude, tive interesse em cuidar de jovens e me dedicar ao trabalho pastoral católico, por isso entrei no Seminário Salesiano em 1983. Como já estava no terceiro ano do ensino médio, em seguida iniciei o curso de Filosofia no Centro de Estudos do Comportamento Humano (CENESCH), ligado à Igreja Católica. Como a instituição não era reconhecida pelo MEC, fiz o reconhecimento do curso pela Universidade Católica de Brasília.”

2. Quais eventos ou influências o levaram a se interessar pela Filosofia e a seguir esse caminho intelectual? Houve algum momento decisivo, leitura marcante ou figura inspiradora?

“No ano de 1992, passei no concurso para ser professor na antiga Escola Agrotécnica Federal de Manaus (atualmente Campus Zona Leste do IFAM). Além da atividade docente em cursos profissionalizantes, exerci várias funções na gestão escolar, especialmente ligadas à extensão rural. Como vinha de uma formação católica muito ligada aos movimentos sociais, a Escola Agrotécnica me deu o amparo oficial para que eu pudesse me inserir fortemente nas comunidades da Amazônia. Realizei atividades de extensão em Presidente Figueiredo, Boa Vista do Ramos, Itacoatiara e em diversos municípios do Amazonas. Atuei como docente na Universidad Tecnológica de Antioquia, na Colômbia, e fiquei cedido em cooperação técnica ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, de 2014 a 2018. Atualmente, sou professor titular do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas.”

3. Você possui livros publicados? Se sim, poderia nos contar quais são e do que tratam?

“Enquanto realizava as atividades de extensão, fiz meus estudos de Mestrado e Doutorado com temas voltados para o desenvolvimento rural. Escrevi diversos artigos e alguns capítulos de livros, entre os quais destaco: Arqueologia nas cartas de Carlos Rodrigues Brandão: contribuições para a Educação Popular; Territorios latinoamericanos: ciudades, ruralidades y políticas de desarrollo; Registros de Experiências de Educação Popular: histórias e memórias de educadores populares e educadoras(es) sociais; Entre lugares, diálogos pertinentes: sociedades amazônicas e outras realidades.”

4. Em sua opinião, qual é o maior desafio enfrentado por quem escolhe a Filosofia como profissão ou modo de vida? Quais caminhos possíveis existem para enfrentar esse desafio?

“O maior desafio é tornar a Filosofia significativa nas realidades concretas, especialmente nas comunidades amazônicas. Para isso, é preciso ir além da teoria e aproximar o pensamento filosófico dos saberes populares, do cotidiano das populações ribeirinhas e da vida na floresta. A Filosofia deve dialogar com outras formas de conhecimento e atuar junto à sociedade, especialmente por meio da educação popular e de projetos de extensão. O caminho é inserir-se nas comunidades, valorizar suas vivências e transformar a Filosofia em prática viva, crítica e comprometida com a transformação social.”

5. Que mensagem você gostaria de deixar para os leitores, especialmente para aqueles que ainda não tiveram contato com a Filosofia?

“Eu me considero um filósofo das comunidades amazônicas, onde o tempo e o espaço são vividos de forma diferenciada, onde o saber popular tem seu valor, e o convívio com a floresta, os rios e os animais é algo transcendental. Minha mensagem é que a Filosofia deve nascer do chão em que pisamos, dialogar com as realidades locais e reconhecer a sabedoria que existe nas experiências do povo da Amazônia.”

Agradecemos ao filósofo Vlamir por compartilhar conosco sua história de vida, marcada pelo compromisso com a educação popular, com a valorização dos saberes amazônicos e com uma filosofia que nasce do encontro com o povo e com a floresta. Seu testemunho inspira novas formas de pensar, ensinar e viver a Filosofia em diálogo com a realidade da Amazônia. Que sua trajetória continue iluminando caminhos e formando consciências sensíveis às vozes e aos territórios que compõem o pensamento filosófico amazônico.

Luís Lemos é professor, filósofo, escritor, autor, entre outras obras de, “O primeiro olhar” (2011), “O homem religioso” (2016), “Jesus e Ajuricaba na terra das amazonas” (2019), “Filhos da quarentena” (2021), “Amores que transformam” (2024) e “Noite Santa” (2025).

Instagram: @luislemosescrito

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