Considerando o conteúdo deste artigo, seu título é amplo demais, porque poderia abrigar-se sob ele muitas outras propostas além daquela a que nos dispomos. O que pretendemos é, na verdade, bem mais restrito do que o nome do artigo sugere: queremos, através da exposição e da análise de três ideias em disputa no debate atual sobre a política de armamento do governo federal avançar um pouco em direção à compreensão desta discussão. Tentaremos explicitar as relações que se impõem entre estas ideias a fim de determinar as possíveis variações das posições em disputa e identificar com precisão o que está em jogo neste debate. 

Em primeiro lugar, a política de armamento adotada pelo governo federal facilita o acesso e o porte de armas para a população em geral, especialmente para advogados, políticos, caçadores e permite a compra de armas de fogo antes consideradas de calibre restrito, utilizadas apenas pelas Forças de Segurança. Entre tais armamentos, estão: pistolas de calibre 357, 40, 9 mm e 45, revólveres calibre 44, carabinas semiautomáticas de calibres 40 e 9 mm. Também autoriza os menores de 18 anos a participarem de aulas de tiro esportivo com a autorização de um dos pais, retirando a exigência de autorização do poder judiciário.  

Em segundo lugar, os casos de violência com armas de fogo veem aumentando significativamente no país nos últimos anos. Existem inúmeros casos com fins trágicos que se não fossem a facilidade de acesso as armas de fogo poderiam nem ter ocorridos e\ou evitados. Os exemplos são milhares, dariam para encher páginas e páginas. Mas não é o nosso objetivo aqui. Apenas para ilustrar este artigo, citarei o mais recente, que certamente não será o último: “Menino encontra arma do pai na cozinha de casa e atira na cabeça.” https://g1.globo.com/sp/mogi-das-cruzes-suzano/noticia/2022/07/12/menino-encontra-arma-do-pai-na-cozinha-de-casa-atira-na-cabeca-e-morre-na-grande-sao-paulo.ghtml 

Especialistas que estudam o comportamento humano e social afirmam que a facilidade de acesso as armas de fogo colabora com “desfechos trágicos”. Situações em que um simples pedido de desculpa ou um “foi mal aí” poderia resolver, a pessoa com uma arma de fogo na mão nunca tem o diálogo como a primeira opção para a resolução dos problemas. Infelizmente, o ser humano, numa discussão, com uma arma de fogo na mão torna-se “irracional”. Assim como não existe poesia com dor de dente, também não existe diálogo com uma pessoa que está apontando uma arma de fogo para você. Tudo torna-se motivo para a barbárie, para a degradação do ser humano. 

Em terceiro lugar, dizer que: “Com Lula, clubes de tiro irão virar bibliotecas” parece ser a melhor proposta do governo federal há anos. É na biblioteca que se forma o engenheiro, o policial, o médico, o professor, o administrador, o padre, o pastor, o vendedor… É na biblioteca que encontramos os melhores companheiros, os melhores autores, os melhores livros… É na biblioteca que elaboramos os nossos projetos, realizamos os nossos sonhos… É na biblioteca que se constrói o caráter de um homem. O premiado escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) também concorda com essa ideia, e vai além: “Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca”. 

No próximo domingo, dia 02 de outubro, o eleitor brasileiro terá a oportunidade de escolher entre aquele que não perde a oportunidade de pregar sua crença de que “povo armado nunca será escravizado” ou aquele que pretende “transformar clubes de tiro em bibliotecas”. Para mim, em particular, nunca foi tão fácil escolher: entre uma arma de fogo e um livro, eu escolho o livro; entre a guerra e a paz, eu escolho a paz; entre a barbárie e a civilidade, eu escolho a civilidade. Não sou teólogo (sou filósofo), mas penso que é exatamente isso que defende o evangelista Lucas (11:11) quando questiona: “E qual o pai de entre vós que, se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, também, se lhe pedir peixe, lhe dará por peixe uma serpente?”  

Infelizmente a eleição para presidente do Brasil nesse ano de 2022 será um plebiscito entre aquele que fala em fechar o STF, melar as eleições, que vive pregando a volta do AI 5, que fala de Deus, mas não faz nada à favor da vida, que fala que é contra o aborto, mas pediu para a esposa abortar quando descobriu que seria pai de uma menina, que fala que não tem corrupção no seu governo, mas não permite investigações, que defende o armamento do povo porque tem dívidas bilionárias com os fabricantes de armas de fogo, que mente, que espalha o ódio, que divide a nação entre “nós e eles” e aquele que fala em transformar clubes de tiro em bibliotecas, combater a inflação, aumentar o poder de compra da população, tornar o salário-mínimo forte, que vai incentivar o esporte, a cultura, o lazer, que vai construir hospitais, escolas, universidades, educação para todos… 

Até Carlos Drummond de Andrade, se fosse vivo, votaria no candidato que defende educação para todos. No seu livro A rosa do povo, ele escreveu: “A leitura é fonte essencial de prazer, mas é incrível que quase não sente tal prazer fora do ambiente escolar”. Por fim, penso que se quisermos construir um país mais justo, igual para todos, temos que exigir que a educação venha em primeiro lugar e não os clubes de tiro. Armas de fogo tiram vidas, bibliotecas salvam! Diga sim a civilidade e não a barbárie. Vote em quem quer unir o país e não dividir. Vote certo. Vote com consciência. 

Luís Lemos é professor, filósofo e escritor, autor, entre outras obras, de Filhos da Quarentena: A esperança de viver novamente, Editora Viseu, 2021.  

Escreva-se no canal do professor Luís Lemos no Youtube, é grátis: https://m.youtube.com/channel/UC94twozt0uRyw9o63PUpJHg 

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