A morte de Nahel M., de 17 anos, provocou tumultos em várias cidades da França, bem como na cidade de Nanterre, a oeste de Paris, onde ele cresceu.
Filho único, ele trabalhava como entregador de comida, jogava rúgbi e estava estudando em Suresnes, não muito longe de onde morava, para se formar como eletricista. Aqueles que o conheceram disseram que ele era muito querido em Nanterre, onde vivia com sua mãe, Mounia, e aparentemente nunca conheceu seu pai.
Pouco depois das nove da manhã de terça-feira (27), Nahel morreu no volante de um carro Mercedes após ser baleado no peito, à queima-roupa, por fugir durante uma fiscalização de trânsito da polícia. Ele não tinha antecedentes criminais.
“O que eu vou fazer agora?” perguntou sua mãe. “Dediquei tudo a ele”, disse ela. “Só tenho um, não tenho dez. Ele era minha vida, meu melhor amigo.” Sua avó fala dele como um “menino bom e gentil”.
Diferentes políticos se manifestaram sobre o episódio. “A recusa em parar não lhe dá licença para matar”, disse o líder do Partido Socialista, Olivier Faure. “Todos os filhos da República têm direito à justiça.” Já o presidente francês, Emmanuel Macron, disse que “nada justifica a morte de um jovem”. “É inexplicável, imperdoável”, afirmou, na quarta-feira (28), ao pedir “calma para que a justiça seja feita”.
No entanto, a França registra há dois dias protestos violentos na cidade onde o adolescente morreu e em outros locais do país. Mais de 6.000 pessoas compareceram a uma vigília, junto com sua mãe, na cidade de Nanterre.
Segundo a mídia francesa, algumas pessoas que queriam participar da marcha temiam que mais violência ocorresse. Uma mulher disse à BBC, por exemplo, que o incidente a fez questionar o quanto ela poderia confiar nas autoridades.
Prevendo outra noite de violência, algumas regiões de Paris anunciaram toque de recolher e fechamento de serviços de bonde e ônibus. Um deles será aplicado no subúrbio de Clamart, a sudoeste da capital, entre as 21h e as 6h locais, a partir desta noite até segunda-feira (3).
“Clamart é uma cidade segura e tranquila e estamos determinados a mantê-la assim”, diz uma mensagem no site da cidade. A cidade de Lille também suspenderá alguns serviços de transporte público esta noite. Os trens e ônibus pararão de operar a partir das 20h, segundo um comunicado das autoridades.
A vida de Nahel
Nahel passou os últimos três anos jogando pelo clube de rúgbi Pirates of Nanterre. Ele fazia parte de um programa de integração para adolescentes com dificuldades na escola, administrado por uma associação chamada Ovale Citoyen. O objetivo do projeto é levar pessoas de áreas pobres para o aprendizado —Nahel estava aprendendo a ser eletricista.
O presidente da Ovale Citoyen, Jeff Puech, era uma das pessoas que o conheciam melhor. Ele tinha visto o adolescente poucos dias atrás e falou de um “garoto que usava o rúgbi para sobreviver”. “Ele era alguém que tinha vontade de se encaixar social e profissionalmente, não um garoto que traficava drogas ou se divertia com o crime juvenil”, disse Puech ao Le Parisien.
Ele elogiou a “atitude exemplar” do adolescente, muito longe do desagradável assassinato de reputação pintado nas redes sociais. Ele conheceu Nahel quando morou com sua mãe no subúrbio de Vieux-Pont, em Nanterre.
Não passou despercebido que sua família era de origem argelina. “Que Alá lhe conceda misericórdia”, dizia uma faixa estendida sobre o anel viário de Paris do lado de fora do estádio Parc des Princes.
‘Sistema judiciário é culpado pelo assassinato de Nahel’, diz advogado
O policial que atirou e matou Nahel já foi indiciado por homicídio doloso. Mas o advogado de Nahel, Yassine Bouzrou, disse no programa Newshour, do Serviço Mundial da BBC, que a impunidade dos policiais na França é parte do problema.
Bouzrou afirmou que o sistema judicial, não o racismo, foi o culpado pelo que aconteceu com o adolescente. “Temos uma lei e um sistema judicial que protege os policiais e cria uma cultura de impunidade na França”, disse ele ao Newshour, acrescentando que casos semelhantes ao longo dos anos mostram que “o sistema judicial ainda não está funcionando para as vítimas” em todo o país.
Com informações da Folha de São Paulo