
O megadecreto de Javier Milei permitiu que os aluguéis na Argentina sejam pagos até com criptomoedas. A mudança institucionaliza o que na prática vem acontecendo em outros setores. Para fugir da desvalorização do câmbio, os argentinos já recorrem a moedas digitais para fazer compras de mercado, por exemplo. E até turistas vêm usando divisas virtuais para adquirir vinhos, chocolates e outros produtos que são trazidos na mala na viagem de volta ao Brasil.
O analista industrial Mário Pachu, de 49 anos, que mora em Buenos Aires, conta que os argentinos têm usado principalmente as carteiras digitais em exchanges (plataformas onde é possível vender e comprar criptomoedas):
— A exchange mais utilizada é a Binance, mas existem diversas, e até casas de câmbio físicas, ou o que chamamos aqui de crypto caves, locais que já conhecemos para trocar moedas — conta o argentino, que usa o seu dinheiro para comprar criptomoedas e não perder poder de compra.
Há vários tipos de câmbio na Argentina. Uma das primeiras medidas de Milei foi desvalorizar o peso. De um dia para o outro, a cotação oficial do dólar passou a ser de 800 pesos — uma desvalorização de 54% da moeda argentina em relação ao valor da véspera.
É para escapar dessa perda tão grande de valor que os argentinos têm recorrido às moedas digitais.
O brasileiro Marcus Cardoso, de 40 anos, costuma desembarcar na Argentina todos os meses, mas só agora percebeu a facilidade de realizar pagamentos cotidianos com criptomoedas.
— Não cheguei a fazer nenhuma compra com cripto, porque não esperava. Tinha ido apenas comprar uma pasta de dente. Mas o que você precisa é de uma conta em um banco argentino para transferir o dinheiro para uma carteira on-line e, então, realizar pagamentos — conta.
Os turistas, por sua vez, ‘descobriram’ as stablecoins, lastreadas em dólar, que além de ajudar na proteção contra a desvalorização do peso é uma forma de driblar a escassez de moeda americana na Argentina.
Uma turista brasileira que esteve recentemente no país — e conversou com o GLOBO sob anonimato — usou o aplicativo da exchange Bitso para comprar stablecoins e realizar compras como comida em supermercados, chocolates e vinhos.
— Para as coisas menores, realmente funcionou. Eu e meu marido fizemos sem entender (como funcionava), mas deu certo. Você carrega o aplicativo em reais e ele transforma em criptomoeda. Usamos uma stablecoin, porque (o app) dizia que era pareada ao dólar. Foi uma alternativa para não ter que carregar tanto dinheiro na bolsa, já que a maior nota local é 2 mil pesos — conta.
Pesquisa recente da consultoria Chainalysis, especializada em levantamentos com blockchain, mostra que o Brasil e a Argentina foram os dois lugares em que mais pessoas usaram esse formato de pagamento entre junho de 2022 e julho de 2023.
Considerando apenas o volume movimentado, a Argentina ocupa o primeiro lugar, com cerca de US$ 85,4 bilhões (R$ 422 bilhões) transacionados no período analisado.
Lá é possível realizar pagamento inclusive por meio de maquininhas. Ao inserir o cartão, mesmo com o consumidor pagando em criptomoedas, o aparelho transfere ao comerciante o valor equivalente em pesos ou dólares.
De acordo com Beto Fernandes, especialista e analista de criptomoedas da Foxbit, a implementação de um limite para a compra de dólares pelo governo argentino — outra medida que Milei anunciou logo após assumir a presidência — ajudou a impulsionar o boom das criptomoedas entre a população:
— Teve um período em que a Argentina restringiu a compra de criptomoedas por meio de exchanges centralizadas. Havia um limite. Então, embora as exchanges centralizadas ainda sejam muito usadas, as exchanges descentralizadas cresceram — afirma Fernandes.
Segundo a consultoria, as exchanges descentralizadas já respondem por 30% do mercado argentino.
Exchanges centralizadas funcionam apenas com transações de criptomoeda para criptomoeda e são bem parecidas com bancos digitais, exigindo que o usuário apresente documentos para se cadastrar.
Nas descentralizadas, é possível criar uma carteira digital de forma mais rápida e menos burocrática e comprar criptomoedas usando moedas comuns.
O head de criptoativos da Empiricus Research, Vinicius Bazan, conta que os consumidores de países como a Argentina têm mais apelo para usar criptomoedas como forma de manter o poder de compra ou encontrar um caminho alternativo para um câmbio mais barato:
— Mesmo tendo bitcoins (moeda mais volátil, por ter seu valor determinado pela oferta e demanda) na Argentina, vale a pena, pela expectativa de que o bitcoin sempre se valorize mais do que o peso — afirma.
Com informações de: O Globo







