A caminho da boate, o policial acionou acidentalmente a câmera e só percebeu que ela estava ligada horas depois. O equipamento registrou as primeiras declarações da jovem às forças de segurança sobre a acusação contra Daniel Alves.
— Ele me bateu, me jogou no chão — diz a vítima, nas imagens registradas pela bodycam. No registro, segundo o Uol, a mulher se mostra em “estado de choque” e relata não querer denunciar. — Não quero nada, não quero que meu nome apareça.
Na gravação, o agente fala para a jovem ir até o Hospital Clinic para realizar exames e destaca que o nome dela só vai aparecer em documentos judiciais. Depois de ouvir um primeiro relato dela sobre o que ocorreu no banheiro da boate, ele explica à mulher que ela “pode entrar voluntariamente [no banheiro] e depois dizer que não. É para isso que serve a lei”.
Ao fim do julgamento, quais os cenários possíveis?
Colhidos os depoimentos de réu e vítima e de testemunhas, agora cabe aos juízes analisar as evidências e decidir se Daniel Alves é culpado. O Ministério Público pede condenação a nove anos de prisão; já a equipe jurídica da vítima, a 12 anos, pena máxima para agressão sexual na Espanha. Não há prazo para a divulgação do que decidiram os juízes.
O jogador pode ser absolvido, como solicita a sua defesa. Mas, caso Daniel Alves seja condenado, caberá aos juízes decidir se alguma condição atenuante devem ser aplicada. A defesa do atleta argumentou, durante o julgamento, que ele pagou 150 mil euros como reparação à vítima e estava bêbado no momento do fato — alegações que, pela lei espanhola, podem ensejar redução de pena.
Se for condenado, Daniel Alves ainda poderá entrar com recurso a instâncias superiores da Justiça espanhola.
O que disseram os peritos
No último dia do julgamento de Daniel Alves, que foi o último a depor e voltou a dizer que houve sexo com consentimento com a jovem de 23 anos, os depoimentos mais longos foram dos peritos forenses chamados pela acusação e pela defesa. Nesta quarta-feira, eles foram questionados a respeito dos sintomas psicológicos da denunciante após o ocorrido e da embriaguez do jogador na noite de 30 de dezembro de 2022.
O julgamento foi encerrado na noite de quarta-feira. Agora, Daniel Alves aguarda a sentença final. Segundo a imprensa espanhola, a decisão será anunciada em até duas semanas. A acusação pediu pena máxima, de 12 anos.
Os especialistas que trataram a jovem concordaram sobre os sintomas pós-traumáticos. Também destacaram que os depoimentos dela não transpareceram ser exagero ou simulação. Além disso, garantiram que a história da menina não suscitou pensamentos de exagero ou simulação.
“Quando ela chegou estava com um sentimento de medo. Com uma certa tensão, havia lágrimas ao contar o que aconteceu, mas ela parecia uma menina coerente e educada que explicava as coisas como as havia vivenciado”.
A jovem passou por testes de personalidade e impacto do trauma. Segundo o Dr. Mateu, não havia nenhum indício estranho no estado dela.
“Não tivemos nenhuma indicação de que a pessoa estivesse se referindo a uma situação exagerada ou simulando-a”, acrescentando. “É indicada uma série de sintomas que vão ao encontro do que a própria pessoa referiu no momento da entrevista. Estávamos diante de um quadro pós-traumático”.
Os peritos elencaram alguns critérios utilizados para determinar o estresse pós-traumático, como o fato de ficar muito nervosa ao ouvir português, falta de sono ou hipervigilância. Além do sentimento de culpa, algo comum a vítimas de estupro:
“Um dos indicadores da condição de vítima é que se sentem culpadas por algo”.
Já uma perita forense da defesa, Blanca Navarro, disse que a análise psiquiátrica foi “superficial” e destacou o fato de a denunciante não estar sendo medicada.
Os demais peritos forenses não concordaram com a observação.
“Numa pessoa que está com o estado emocional alterado, que está sofrendo… O fato de ela não tomar a medicação não significa que ela não precise dela. Sintomas traumáticos, é alguém que tem a sensação de que perde o controle da sua vida e das suas emoções. Você teve um rompimento, um choque e um impacto e muitos aspectos da vida e dessa pessoa estão desfigurados”.
Consentimento x Lesões físicas
Um dos temas debatidos foi a relação entre consentimento do ato sexual e a falta de lesões na vagina. Segundo os peritos, tal conexão não pode ser estabelecida.
“Se há ou não lesão, não podemos dizer se é consensual ou não. Não podemos fazer essa comparação”.
Porém, a legista chamada pela defesa de Daniel Alves afirmou que, em sua opinião, a relação sexual não foi tão traumática como relata a denunciante e que não há registro das lesões que ela informou em seu depoimento.
“Ela conta uma história sobre tapas, agarramentos… Não vemos nenhum ferimento em nenhuma parte do corpo. No seu relato você não vê nenhuma lesão. A ausência até mesmo de inchaço (na região íntima) me faz pensar que a relação sexual não foi tão traumática. Não há restos de sêmen porque provavelmente não houve ejaculação”.
Embriaguez de Daniel Alves
Uma das estratégias da defesa de Daniel Alves ao longo do julgamento foi a tese de que o jogador estava extremamente alcoolizado. Por isso, estaria com as funções cognitivas afetadas que poderiam interferir em seu comportamento. Na Justiça espanhola, isso pode ser considerado atenuante em caso de condenação, com a redução da pena de 4 a 12 anos para 4 a 8 anos.
Porém, os dois peritos forenses da defesa que examinaram o jogador deixaram claro que o brasileiro, apesar do alto consumo de álcool, não estava totalmente embriagado.
“Ele conseguia distinguir entre o bem e o mal. Ele sabia o que estava acontecendo, as suas capacidades cognitivas estavam ligeiramente afetadas”.
No depoimento, no entanto, ressaltaram que dava para ver no vídeo que Daniel Alves apresentava certa “dificuldade motor” e que ele não estava acostumado a beber tanto.
“A intoxicação alcoólica pode nos levar a pensar que houve um impacto significativo”.
Naquela noite, foram consumidas três garrafas de vinho e uma de uísque. Daniel Alves ainda teria bebido um gim-tônica e seis copos de cava. Com informações de O Globo.