Senhor David Almeida,

O senhor não me conhece. É de boa educação, pois, que eu me apresente. Estou às portas de completar oitenta e dois anos de idade, todos eles vividos nesta altiva cidade de Manaus. Nasci à margem esquerda do igarapé de São Raimundo, ali onde se inicia a rua Leonardo Malcher. De profissão, sou advogado, com efêmeras incursões na política partidária, a maioria delas sem êxito, como vem de acontecer na recente eleição para vereador. Ah, sim! Sou também comunista. Já dá para ver o tamanho da minha insignificância, ficando assim explicada a razão do seu desconhecimento.

Eu também nunca o vi pessoalmente, sendo-me dada apenas a oportunidade de vê-lo nos jornais e na televisão, inclusive numa entrevista em que o senhor declara, enfática e sorridentemente, que é um homem de direita e seguidor do Bolsonaro. Azar o seu, por opções tão macabras. Mas acho que elas, agora, não vêm ao caso para o meu desiderato. Dá-se que, apesar de insignificante, ainda mantenho o estado de cidadão. Vai daí que, sendo o senhor o governante da minha cidade, exerço o direito de lhe dirigir a palavra em nome exclusivamente do exercício da cidadania.

Já faz quatro anos que o senhor é prefeito e assim seguirá por outro quatriênio, conforme decidiram as urnas. Aqui devo fazer uma revelação estarrecedora: como meu candidato Marcelo Ramos estava ausente, votei no senhor no segundo turno. Não se assuste. Meu voto não vai manchar de vermelho o seu currículo. Mas é que seu adversário, também “deus, pátria, família e liberdade”, como o senhor, cometeu a desfaçatez de trazer a Manaus a própria figura do abominável e ainda ameaçou botar nossas crianças para darem ordem unida em escolas militares. Foi demais.

Voltemos, porém, à vaca fria. Não me parece que o senhor tenha feito algo de relevante no primeiro mandato. Inaugurou um mirante ao qual deu o nome de sua falecida esposa. Bela obra. Já lá estive por duas vezes, inclusive para o lançamento do livro do meu amigo Robertinho Caminha, intitulado “Os Bedéis da Amazônia”. Estou terminando a leitura e lhe recomendo que dê pelo menos uma vista d´olhos na obra, se tanto lhe permitirem seus muitos e complexos afazeres administrativos. Vale a pena.

Uma outra inauguração sua é chamada, se não estou em engano, “Gigante da Floresta”. Não a vi, mas me disseram que pretende ser um parque, só revelando, porém, que o senhor deve ser um grande gozador: não existe lá uma touceira de capim e, muito menos, árvore. Floresta, então, nem se fala. Fico imaginando um velho como eu ir àquele logradouro, para dar um passeio, ler um livro ou simplesmente passar o tempo como acontece com os idosos. Diga-me, por favor, à sombra de qual árvore vai ele sentar? Não me venha dizer que aquela imensa estrutura de concreto vai dar abrigo contra o sol de setembro ou outubro.

Por falar em árvores, permita-me perguntar: o que tem o senhor contra elas? Não plantou nenhuma no “Gigante” e, recentemente, mandou derrubar mais de cem no Parque dos Bilhares, ao argumento (reconheça que ridículo) de que a ação era necessária para permitir a construção de um prédio. Ora, senhor prefeito, Manaus está literalmente no centro da maior floresta do mundo e é uma das cidades menos arborizadas do país. Claro que sei que essa situação não é culpa sua. Mas, será que custa muito não contribuir para piorar o quadro? Acho que, ao contrário, deveria o senhor se empenhar em embelezar e proteger a nossa terra, com uma campanha intensa de arborização e recuperação de igarapés.

Vou abordar só mais um assunto e encerro isto que, em se dando o senhor o trabalho de me ler, há de lhe parecer uma paulificação. É grande demais, é estarrecedor mesmo, prefeito, o número de crianças levadas aos semáforos de Manaus para o degradante exercício da mendicância! Por favor, deslanche uma ação séria e severa para colocar um fim nessa aberração. Lugar de criança é na escola. Não para marchar, mas para se alimentar e aprender a pensar e conhecer o mundo.

Soube que o senhor é religioso. Em sendo isso verdadeiro, faço-lhe a seguinte sugestão: ore com todo fervor para a divindade da sua preferência, pedindo que ela o afaste do obscurantismo; que o mantenha distante dos que acreditam ser a terra plana e, principalmente, dos que têm o uso de armas de fogo como panaceia universal. Afinal, “paz na terra aos homens de boa vontade”. Pelo menos foi o que me ensinaram quando eu era coroinha.

Mais uma vez, desculpe a ousadia destas mal traçadas linhas. Como ninguém pode amar esta cidade mais do que eu, espero que o senhor incorpore um pouco desse sentimento e faça o melhor por Manaus.

Manaus, quem ama, respeita.

Atenciosamente, Felix Valois

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