Há três anos, o Talibã fincava a bandeira do grupo na capital do Afeganistão, Cabul, e retomava o controle do país após uma ocupação militar dos Estados Unidos que durou mais de duas décadas.
A retirada dos soldados norte-americanos foi o ponto de partida para que o grupo fundamentalista voltasse ao poder no país, sem muitas resistência do governo de Asharaf Ghan. Assim que os soldados talibãs iniciaram a ofensiva que resultou na tomada de várias cidades do país, o então presidente fugiu do território afegão e buscou refúgio nos Emirados Árabes Unidos.
O que o Talibã viu ao retomar o controle do Afeganistão foi um país destruído pela guerra, com diversos problemas, como uma economia que dependia 75% da ajuda internacional. Os índices sociais, que já eram baixos, despencaram de vez após o grupo assumir o governo afegão.
Dados recentes do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) mostram que 69% dos afegãos não têm acesso a necessidades básicas, como serviços públicos e cuidados de saúde. Da população do país, o Programa Mundial de Alimentos da ONU aponta que 12,4 milhões enfrentam insegurança alimentar aguda grave.
Ainda assim, o último relatório do Banco Mundial, a economia do Afeganistão apresentou uma “recuperação modesta” entre 2023 e 2024, após dois anos de contração. A instituição, no entanto, alertou que a situação afegã ainda é crítica.
Isolamento internacional
A economia devastada no país é um reflexo direto do isolamento do Talibã. O governo do Afeganistão não é reconhecido por grande parte da comunidade internacional, que não enxerga com bons olhos as acusações de violação contra os direitos humanos no país.
Com a ascensão do grupo fundamentalista e a implementação da sharia – leis baseadas na interpretação radical do Islã –, afegãs se viram encurraladas em um país que passou, cada vez mais, a reprimir direitos femininos.
Ocupar cargos públicos, frequentar universidades ou salões de beleza, sair de casa desacompanhadas e até mesmo usar métodos contraceptivos. Essas foram algumas das diversas restrições impostas contra afegãs desde 2021, levando a ONU a classificar as ações do Talibã como “apartheid de gênero”.
Apesar do isolamento internacional, potências como China e Rússia sinalizaram importantes movimentos de aproximação com o grupo, apesar de ainda não reconhecerem formalmente o governo do Talibã no Afeganistão.
Após meses de negociação, o Ministério das Relações Exteriores do Afeganistão, controlado pelo Talibã, aceitou responder questões enviadas pelo Metrópoles sobre os problemas, desafios e as críticas internas e externas enfrentadas pelo governo fundamentalista.
Como o Talibã enxerga a atual situação do Afeganistão após o grupo retomar o poder do país três anos atrás?
A situação atual do Afeganistão melhorou em todos os aspectos de governança, segurança, estabilidade, reabilitação, serviços, justiça, educação, economia, conectividade, etc.
Quais são os maiores desafios que o governo do Talibã enfrenta na reconstrução do Afeganistão após o país enfrentar uma guerra de 20 anos?
Os maiores desafios colocados ao Afeganistão no seu caminho para a recuperação são as sanções unilaterais e multilaterais ilegais, o congelamento de ativos do estado do Afeganistão e as restrições bancárias impostas pelos países ocidentais.
Antes da recuperação do poder pelo Talibã, a ajuda internacional que o Afeganistão recebia correspondia a cerca de 70% da economia do país. Qual é a situação atual?
O governo do Afeganistão não recebeu qualquer ajuda desde o fim da ocupação e da economia de guerra.
O Talibã é considerado um grupo terrorista por alguns países, principalmente pelos Estados Unidos e membros da União Europeia. Como o grupo tenta reverter esta imagem perante a comunidade internacional para que o seu governo possa ser considerado legítimo?
Os EUA e os países europeus impuseram proibições, embargos e sanções a numerosos países em todo o mundo. Tais ações não têm qualquer ligação com legitimidade. A legitimidade deriva do apoio popular do povo, e o atual Afeganistão tem isso em abundância.
Recentemente, Rússia e China têm se aproximado do governo do Talibã, incluindo um grande investimento chinês de US$ 150 milhões para a exploração de petróleo no país. O grupo enxerga tal aproximação com as duas grandes potências como uma oportunidade de ter um maior diálogo com a comunidade internacional?
Um pilar da nossa política externa é a centralidade econômica, e damos as boas-vindas a todas as partes que contribuam para a recuperação econômica e o desenvolvimento do Afeganistão através do investimento em vários setores. Acreditamos que um Afeganistão independente, conectado e economicamente integrado é do interesse de todos os países.
Além da Rússia e da China, quais são os atuais parceiros internacionais do Talibã?
O Afeganistão tem um envolvimento político, diplomático e econômico relativamente forte com todos os países da região [da Ásia] e acolhe favoravelmente um maior envolvimento com os países ocidentais, em linha com a sua política externa equilibrada.
O Talibã voltou ao poder no Afeganistão e encontrou a economia do país devastada. Três anos depois, os principais indicadores mostram que a situação ainda é difícil, com cerca de 85% da população vivendo com US$ 1 por dia. Quais são as medidas que o grupo têm tomado para reverter esse cenário?
O Afeganistão transformou-se num país pobre e devastado devido a quase 50 anos de guerra incessante e de conflito imposto por potências estrangeiras. O povo do Afeganistão demonstrou uma enorme resiliência durante este período, e o novo governo implementou muitas políticas e leis que simplificaram e promoveram a atividade empresarial, implantaram serviços sociais para fornecer subsídios a quase 650 mil deficientes, órfãos e viúvas, juntamente com milhares de indigentes.
Uma das principais críticas contra o Talibã é a questão dos direitos humanos no país, em especial o de mulheres. A situação é descrita por muitos governos como uma barreira na aproximação e abordagem com o grupo. O governo do Talibã está disposto a abrir o diálogo e ouvir as exigências nessa área para uma maior integração global?
A nossa posição é de princípios: as leis e regulamentos dos Estados são os assuntos internos de um país, de acordo com as suas crenças e tradições, e ninguém tem o direito de interferir nos assuntos internos de outros.
Este princípio também se aplica ao Afeganistão, e continuamos abertos a colaborar com todas as partes nos domínios da economia, da aviação, do investimento, dos narcóticos, da migração, dos serviços diplomáticos e consulares, e de uma série de outras questões de interesses e preocupações comuns.
O governo dos Estados Unidos tem atualmente US$ 7 milhões de ativos afegãos bloqueados, após o retorno do Talibã ao poder no Afeganistão. O Talibã e o governo norte-americano têm mantido conversas para que esse valor possa ser liberado?
A nossa posição em relação aos bens do Estado do Afeganistão é clara: estão ilegalmente congelados e devem ser libertados incondicionalmente.
Segundo com o último relatório do Índice Global de Terrorismo, o número de mortes causadas pelo terrorismo diminuiu 81%, em 2023, no Afeganistão. Contudo, o país vizinho, o Paquistão, sofre ataques de grupos que poder estar operando a partir do Afeganistão, o que criou recentemente um ponto de tensão entre os dois países. O Talibã e o Paquistão têm conversado sobre o terrorismo na região na tentativa de encontrar uma solução para o problema?
Não existem grupos que operem dentro e a partir do Afeganistão. O governo do Paquistão não forneceu provas verificáveis de que tal atividade acontece dentro das nossas fronteiras. Esta abordagem está em conformidade com a nossa política de não permitir que ninguém utilize o território do Afeganistão para prejudicar terceiros.
Com informações de Metrópoles