Por Carlos Santiago

Há um mês, acordei às cinco horas da manhã com um barulho inquietante. Do lado de fora de casa, os pássaros já estavam nas árvores frutíferas e os primeiros cânticos anunciavam o nascer de um novo dia. Abri a porta e avistei uma sabiá inquieta voando de galho em galho. Pensei que estava reclamando de falta do mamão e banana que deposito todo dia numa vasilha para alimento dos passarinhos, mas o motivo era outro e mexeu com os meus sentimentos.

A sabiá voou para a parte alta da edícula feita de madeira e coberta de telhas de barro e pousou dentro de um antigo vaso de planta, onde ficou em silêncio. Continuei observando com curiosidade para saber os motivos daqueles ruídos. Quando a passarinha saiu do vaso, peguei uma escada e subi… Encontrei dois ovos pequeninhos. Um sentimento gostoso tomou conta de mim. Senti-me o pai e protetor-mor daqueles seres especiais.

Deixei de pensar nas maldades humanas e na vã filosofia que diz muito, mas não explica nada. Então, tomei algumas medidas urgentes. Dobrei a quantidade de comida que disponibilizo diariamente aos pássaros, mais mamão e banana; podei o pé de jabuticaba que estava florida para que os frutos ficassem maiores, era preciso alimentar os novos passarinhos; o acesso e o uso da edícula ficaram restritos, porque ninguém poderia incomodar a sabiá-mãe.

Até a minha cachorrinha Minie foi envolvida nas medidas protetivas. Deixei-a vigilante no terreno para impedir a entrada de gatos na propriedade. Minie nunca brigou com os gatos, é muito pequena e boba, mas o latido assustava os gatos. Isso ajudava na proteção dos pássaros.

Durante duas semanas, a sabiá saía pouco do ninho, apenas para se alimentar, comer fruta da jabuticabeira, da amoreira e pequenos insetos. Depois do nascimento dos sabiazinhos, a passarinha ficava pouco tempo dentro do ninho, ia buscar alimentos para dar aos filhotes. Eu monitorava tudo isso. Não importava onde eu estivesse, na Universidade ou no exercício da profissão de advogado, a minha cabeça estava antenada ao cotidiano dos sabiás na minha casa.

Quase duas semanas depois do nascimento dos sabiazinhos, novamente acordei com barulho de pássaros próximo à janela do meu quarto. Pensei nos sabiazinhos, pensei nos predadores deles, pensei coisas ruins. Rapidamente escancarei a janela. Lá, no quintal estavam os dois filhotes pulando no chão e dando os primeiros voos. Filmei e fotografei cada passos e voos. A mamãe sabiá também acompanhava tudo. Levava comida aos bicos deles e fazia a proteção.

Quanta dedicação daquela mamãe sabiá aos ovinhos, aos filhotes e ao local onde escolheu para reproduzir! Fiquei pensando sobre os afetos. Será que somente o Homo sapiens possui os afetos? A sabiá parecia viver no mundo real: árvore, terra, água, chuvas e cheiro dos outros sabiás. Nada de convenções fictícias, ideologias tolas e crenças estúpidas.

Naquele dia eu tinha um compromisso social, precisava sair de casa. Antes da minha partida, um sabiazinho filhote sentou na janela do meu escritório, sem penas no rabo. Ele olhava para mim. Senti que era um gesto de despedida ou de pura inocência, de quem ainda não entendia que o ser humano é o grande inimigo da natureza e que acredita estar acima dela. Uma bobagem!

Quando retornei já era noite. Não vi mais os sabiazinhos e nem sua mãe. Na manhã seguinte não estavam lá no quintal e nem nas árvores, tinham ido embora. Ficou apenas um vazio. Um vazio passageiro, que logo foi preenchido pela alegria de outros passarinhos, com seus cantos que nos dão esperança e paz, sentimentos que só podemos experimentar através do convívio com outros seres da natureza, nesse mundo dominado por homens.

Sociólogo, Cientista Político e Advogado.

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