João Ozorio de Melo, Conjur – No dia de sua posse, no último dia 20, o presidente Donald Trump declarou que a principal missão do Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) será acabar com a “weaponization” do governo federal, isto é, o uso do DOJ (além de órgãos de segurança, como o FBI) como arma de retaliação — ou de perseguição — política.
Uma semana depois, no dia 27, por ordem do presidente, o procurador-geral interino James McHenry demitiu todos os procuradores federais de carreira, designados para integrar a equipe do procurador especial Jack Smith, que foi encarregada de investigar e processar o então ex-presidente Donald Trump.
A equipe, composta por mais de uma dúzia de procuradores (de acordo com informações imprecisas, mas as únicas disponíveis até agora), trabalhou na preparação de duas ações movidas na Justiça Federal contra Trump — uma que se referia à invasão do Congresso em 6 de janeiro de 2021 e outra, à subtração ilegal de documentos confidenciais da Casa Branca.
Ambas as ações não deram em nada. Foram trancadas por duas razões: uma porque a Suprema Corte decidiu que presidentes e ex-presidentes têm ampla imunidade por seus atos oficiais; outra porque Trump foi eleito presidente. Missão não cumprida, Jack Smith pediu demissão no início de janeiro.
O Departamento de Justiça divulgou uma declaração curta, em que acusa os procuradores de carreira pela weaponization do governo, sem mencionar, obviamente, que as demissões fossem um ato de retaliação.
“Hoje, o procurador-geral interino James McHenry demitiu um número de procuradores do DOJ, que exerceram um papel significativo na persecução do presidente Trump. Em vista de suas ações, o procurador-geral interino não confia nesses procuradores para assistir fielmente na implementação do plano de governo do presidente. Esta ação é consistente com a missão de terminar a weaponization do governo.”
O procurador-geral interino enviou uma carta aos procuradores, para explicar, mais ou menos na mesma linha, a razão das demissões: “Você exerceu um papel significativo na persecução do presidente Trump. O funcionamento apropriado do governo depende, criticamente, da confiança que as autoridades superiores colocam em seus subordinados. Em vista de seu papel significativo na persecução do presidente, eu não acredito que a liderança do Departamento pode confiar em você para assistir fielmente na implementação do plano de governo do presidente”.
Demissão é questionável
O DOJ declarou que a validade das demissões dos procuradores era imediata. Surpresos, os procuradores ainda avaliam suas opções. Há dúvida, por exemplo, se vale a pena ir à Justiça ou não.
Sabe-se, no entanto, que a medida quebra as normas e tradições do DOJ. Normalmente, os procuradores de carreira permanecem no departamento após mudanças de governo. E não são punidos em virtude de seu envolvimento em investigações delicadas, mesmo de governos de outros partidos. Enfim, não há uma prática de retaliação.
Há, no entanto, uma diferença entre demitir procuradores federais de carreira e procuradores nomeados politicamente. É comum que procuradores nomeados por um presidente, depois de confirmados pelo Senado, deixem o cargo quando o presidente deixa a Casa Branca. Como em outras instituições, em outros países, eles podem ser removidos sem justa causa.
Procuradores de carreira, por sua vez, também podem ser demitidos, mas desde que observada a lei federal que protege o funcionalismo público. E também os protege contra demissões arbitrárias ou politicamente motivadas.
Mas podem ser demitidos por justa causa, tal como mau desempenho, má conduta profissional, violação de política da instituição ou por necessidade de enxugar o quadro de funcionários por limitação orçamentária.
A demissão de um procurador de carreira exige, portanto, um devido processo (tal como um inquérito administrativo), que inclui uma notificação prévia sobre a razão da demissão, uma possível oferta de correção ou melhora e o direito de apelar a um conselho — o Merit Systems Protection Board (MSPB).