Cientistas estão interessados em entender a possível relação entre uso de medicamentos como Ozempic, Wegovy e Mounjaro e problemas de visão. Foto: millaf/Adobe Stock

Em estudo publicado na revista científica JAMA Opthalmology no fim de janeiro, pesquisadores descrevem nove pacientes que desenvolveram problemas oftalmológicos ao usar semaglutida (princípio ativo de Ozempic e Wegovy) e tirzepatida (do Mounjaro e Zepbound), medicamentos cada vez mais populares no combate do diabetes e da obesidade.

Sete pacientes apresentaram neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica (conhecida pela sigla NOIA-NA), um teve papilite e outro desenvolveu maculopatia média aguda paracentral. De acordo com informações da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, onde atua o principal autor da investigação, são três condições oculares com potencial de causar cegueira, já que impactam o nervo óptico – responsável por carregar informações visuais para o cérebro.

O trabalho de revisão vem na esteira de pesquisas anteriores que já sugeriam uma possível relação entre essas drogas e impactos na visão. Em 2024, um estudo relacionou o uso de semaglutida a um maior risco de derrame ocular, o que levou a Academia Americana de Oftalmologia e a Sociedade Norte-Americana de Neuro-Oftalmologia a divulgar uma nota informando que a comunidade médica está ciente de alterações na visão com o uso de semaglutida há um tempo.

Na ocasião, as duas entidades disseram não contraindicar a utilização dos medicamentos, mas orientaram os pacientes a interromperem a utilização e conversarem com o médico diante de qualquer alteração na visão.

O que pode explicar a relação

“Essa revisão não foi conduzida de forma que possamos afirmar que esses medicamentos causaram as complicações”, ponderou Bradley Katz, principal autor do estudo e professor do Departamento de Oftalmologia e Ciências Visuais da Universidade de Utah, em nota. “Mais estudos são necessários para testar nossa hipótese”.

“A semaglutida e a tirzepatida promovem uma redução rápida e expressiva da glicose. Há décadas sabemos que, em pessoas com grande descontrole glicêmico, esse efeito pode trazer risco de reações oculares adversas”, explica Carlos Eduardo Barra Couri, endocrinologista e pesquisador da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP).

No próprio artigo, os autores destacam que “a correção rápida da hiperglicemia induzida por esses medicamentos, em vez de um efeito tóxico dos medicamentos, pode estar associada às complicações oftalmológicas relatadas”.

Em comunicado da Universidade de Buffalo, outra instituição envolvida na pesquisa, é mencionado ainda que os pacientes – todos na faixa dos 50 aos 60 anos – receberam semaglutida ou tirzepatida porque tinham diabetes ou obesidade e outras comorbidades cardiovasculares, “que podem, por si só, causar retinopatia diabética, visão turva ou outros problemas de visão”.

De qualquer forma, Couri acha que agora é necessário realizar estudos mais detalhados e controlados com o objetivo primordial de avaliar o efeito desses medicamentos na saúde ocular em longo prazo. “Essa é uma saída para explicar definitivamente o que está acontecendo”.

Ele observa que as pesquisas devem ser conduzidas em indivíduos com obesidade (e sem diabetes) e também em pacientes com diabetes, “porque são populações bem diferentes”.

Há motivo para preocupação?

Couri reforça que, neste momento, não está claro se existe uma relação de causa e efeito entre o uso desses medicamentos e os prejuízos visuais. “E, se houver, é preciso avaliar se os números absolutos são preocupantes”, diz. “Até o momento, não são”, afirma. Ele avalia que, diante da quantidade de gente que recorre aos remédios no mundo inteiro, são poucos relatos de efeitos adversos. “Na minha prática clínica, ainda não é uma situação que preocupa”, acrescenta.

O endocrinologista reforça que, como todo medicamento novo, é normal surgirem dúvidas sobre reações indesejadas. E muitas delas de fato não aparecem durante os estudos clínicos, feitos com voluntários – só vão dar as caras no que os especialistas chamam de fase 4, ou seja, quando as drogas entram no mercado, tornando-se disponíveis para mais pessoas.

Para Katz, o autor da nova pesquisa, os pacientes que tomam os medicamentos com acompanhamento médico não devem abandonar o tratamento. Mas, se perceberem uma perda de visão repentina, precisam interromper o uso imediatamente e consultar um médico.

Couri observa, por sua vez, que médicos e pacientes ainda devem relatar qualquer tipo de efeito colateral aos órgãos reguladores de cada país e à indústria farmacêutica responsável pelo medicamento. “É o ato inicial de farmacovigilância”, aponta Couri.

Mas, ao analisar a situação, o especialista diz que é crucial as autoridades levarem em conta as vantagens proporcionadas pelo remédio. “Apesar de esses medicamentos serem famosos por causa do efeito na obesidade, vale destacar os benefícios nunca antes vistos na mortalidade por doenças cardíacas, infarto, AVC, apneia do sono, insuficiência renal e esteatose hepática, por exemplo. Todos relatados em bons estudos”, informa. Com informações de Estadão

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