Meses depois, já de volta à rotina da escola, em meio a uma turma de oitavo ano barulhenta e cheia de energia, percebi uma menina que me observava com atenção fora do comum. Sentava na primeira carteira, copiava tudo com capricho e sempre fazia perguntas depois da aula, perguntas que iam além do conteúdo ministrado.
Um dia, ela me entregou um bilhete dobrado. Dentro dele, só uma frase: “É verdade que o amor pode fazer alguém querer aprender mais?”.
Sorri. Demorou alguns segundos para responder. Mas olhei nos olhos dela e disse:
— “É verdade sim. O amor é um excelente professor”.
Ela sorriu de volta e saiu correndo para o recreio.
Naquele instante, entendi que o ciclo da vida seguia. Que aquilo que eu vivi lá atrás com todos os suspiros, confusões e aprendizados tipos da idade, agora se repetia de forma sutil, numa nova geração.
E ali, parado na porta da sala, com o barulho dos adolescentes ecoando no pátio da escola, me dei conta: o amor platônico não era só uma memória bonita. Era uma herança. Um legado silencioso que seguia educando, inspirando, transformando vidas.
Na semana seguinte, durante a reunião pedagógica, a coordenadora comentou, sem dar nomes:
— Temos alunos apaixonados pelo saber. E isso, colegas, é responsabilidade nossa.
Sorri por dentro. Sabia de onde vinha aquela fala. A menina da primeira carteira seguia firme, olhos atentos, perguntas afiadas, e um brilho que eu já conhecia: o brilho da descoberta.
Comecei a reparar melhor em outros alunos também. Havia um menino que sempre trazia livros da biblioteca, outro que ficava na sala no intervalo só para me mostrar um texto que escrevera. Era como se aquela velha história que eu vivi agora se multiplicasse em pequenos fragmentos, espalhada em cada adolescente da escola.
Uma tarde, encontrei a menina na biblioteca. Sentada ao lado de um livro grosso de Filosofia, fazia anotações num caderno florido. Sentei ao seu lado, em silêncio. Ela me olhou e disse:
— Professor, eu quero entender as ideias, mas também os sentimentos. Por que os filósofos escrevem tanto sobre o amor?
Pensei um instante e respondi:
— Porque o amor é uma pergunta que ninguém consegue responder por inteiro. E, ainda assim, os filósofos tentam.
Ela sorriu, fechou o livro com cuidado e saiu leve, como quem carrega um segredo bonito.
Naquela noite, cheguei em casa e procurei o velho arquivo no laptop: “Amor Platônico – Confidencial”. Abri. Reli. Não mudei uma linha. Mas, no fim, adicionei uma frase: “Agora eu entendo. O amor platônico nunca foi sobre “paixão de adolescente”, foi sobre semear”.
Salvei o arquivo. Fechei o computador. E fiquei pensando com o coração tranquilo, sabendo que aquele amor de antigamente agora florescia, discretamente, nas novas gerações. Porém, antes de adormecer, pensei, sem escrever:
“O que seria de um professor, se o estudante não se apaixonasse pelo que ele ensina? Se não fosse capaz de fazê-lo sonhar? Viva a Filosofia, essa disciplina que revela o eterno escondido no cotidiano, e desperta no estudante o desejo pelo conhecimento verdadeiro”.
E, por fim, adormeci como quem repousa entre ideias, afetos e sementes lançadas no chão fértil da existência, sem saber onde germinarão, mas esperançoso, como nos ensinou Paulo Freire, de que florescerão no tempo e no coração de alguém.
Luís Lemos é professor, filósofo, escritor, autor, entre outras obras de, “O primeiro olhar” (2011), “O homem religioso” (2016), “Jesus e Ajuricaba na terra das amazonas” (2019), “Filhos da quarentena” (2021), “Amores que transformam” (2024) e “Noite Santa” (2025).
Instagram: @luislemosescrito








