
A Defensoria Pública do Estado do Amazonas deu um passo decisivo para enfrentar um dos maiores vazios de proteção social no país: a situação de crianças e adolescentes que perdem as mães para o feminicídio. Em reunião realizada nesta terça-feira (18) com o secretário municipal de Habitação e Assuntos Fundiários (Semhaf), Jesus Alves, o Núcleo de Defesa da Mulher (Nudem) formalizou um pedido para que os chamados “órfãos do feminicídio” passem a integrar a lista de grupos prioritários nos programas habitacionais de Manaus.
A iniciativa integra o projeto Órfãos do Feminicídio, coordenado pela defensora pública Carol Braz, que tem atuado para garantir direitos fundamentais a famílias destruídas pela violência de gênero. O Amazonas é hoje um dos poucos estados que avançam na construção de uma política pública específica para esse público, ainda invisível para a legislação federal.
Avanço na política de proteção
Segundo a defensora, o encontro com a Semhaf representa mais que uma articulação institucional — é um movimento para romper com a falta histórica de amparo a essas crianças.
“Estamos falando de meninos e meninas que perderam suas mães da forma mais brutal possível e que, muitas vezes, ficam desamparados. Nosso pedido busca tirá-los da invisibilidade e assegurar direitos que seriam destinados às suas mães”, afirmou Carol Braz ao entregar a documentação ao secretário.
A defensora lembra que a lei já prevê prioridade habitacional para mulheres vítimas de violência, mas nada menciona sobre seus filhos quando o crime resulta em morte. “É uma lacuna grave. Sem intervenção do Estado, eles acabam à margem, reproduzindo ciclos de pobreza e vulnerabilidade”, destacou.
Compromisso da Semhaf
O secretário Jesus Alves reconheceu a urgência da demanda e garantiu que a secretaria vai acatar o pedido.
“Essas crianças já carregam traumas profundos. Garantir moradia é garantir dignidade. Vamos incluir essa prioridade e trabalhar para transformar essa medida em política contínua”, afirmou.
A Semhaf confirmou que iniciará o processo de inclusão dos casos apresentados na lista de prioridade habitacional e que está aberta à construção de uma política permanente em parceria com a Defensoria.
Casos apresentados evidenciam cenário de extrema vulnerabilidade
Durante a reunião, o Nudem apresentou dois casos que exemplificam a dura realidade enfrentada por famílias destruídas pelo feminicídio no estado.
Caso 1 — Cinco crianças sem condições de moradia
Uma mãe de cinco filhos foi assassinada pelo companheiro. As crianças passaram para a guarda do pai biológico, que vive em extrema pobreza e dependia da venda de frutas no semáforo para sobreviver. Com cinco filhos sob sua responsabilidade, ele não consegue pagar aluguel ou garantir condições mínimas de moradia. A Defensoria pediu prioridade imediata para a família.
Caso 2 — Jovem cria seis crianças após assassinato da mãe
Outro caso envolve uma mulher assassinada que deixou três filhos e um neto. A filha mais velha, já mãe de dois, passou a cuidar de seis crianças ao mesmo tempo. Sem apoio familiar e com renda mínima, ela foi expulsa da casa onde morava e hoje paga R$ 900 de aluguel — quase todo o valor do Bolsa Família que recebe (R$ 1.050). A situação compromete completamente a subsistência da família.
Para a defensora Carol Braz, a moradia é parte fundamental na reparação dessas vidas interrompidas.
“Quando uma mulher é morta, seu maior desejo — proteger os filhos — é destruído. A Defensoria atua para garantir que essas crianças não sejam abandonadas pelo Estado”, disse.
Projeto Órfãos do Feminicídio é referência nacional
O projeto da DPE-AM já é considerado modelo no país. A iniciativa mapeia casos, cria protocolos de atendimento e articula a rede pública para garantir moradia, assistência social, atendimento psicológico e acompanhamento jurídico.
A ausência de previsão legal específica torna o trabalho ainda mais importante, segundo Carol Braz: “Essas crianças já nascem vulneráveis e ficam ainda mais expostas após o feminicídio. Nosso trabalho salva vidas”, afirmou.










