Dezembro chega e, com ele, aquela velha sensação de que a vida, por um instante, resolve andar mais devagar. É curioso, mas basta virar o mês e o ar já muda de cor: mistura de chuva leve, vitrines enfeitadas e uma certa alegria que insiste em tomar conta da gente, mesmo quando a gente não chama.

Eu, que passo o ano inteiro correndo entre escolas, aulas, trabalhos e reuniões, me pego sorrindo à toa quando vejo as primeiras luzes de Natal. Talvez seja cansaço; talvez seja saudade de mim mesmo. Professor tem dessas, vive cercado de vozes, mas quando chega dezembro, descobre que também precisa de silêncio.

Na escola, os alunos começam a sumir pelos corredores, entregando os últimos trabalhos como quem fecha a porta devagar. E eu guardo esses momentos como um ancião guarda as histórias do tempo: simples, silenciosos, mas fortes o bastante para ficar no peito por muito tempo.
Dezembro tem o hábito de me trazer só coisas leves: festas, troca de presentes, aniversários que aparecem de repente. Nada grandioso, mas tudo sincero. E talvez seja isso que me comove, a simplicidade desse mês que não exige nada, só convida.

Quando as férias finalmente chegam, eu desligo as luzes da sala, fecho a porta com cuidado e deixo lá dentro todo o barulho do ano. Levo comigo apenas o que não cabe nos relatórios: um sorriso de agradecimento, uma piada mal contada, um gesto gentil. Coisas pequenas, como tudo que realmente importa.

Houve um dia, já perto do fim das aulas, em que um aluno apareceu com um embrulho tímido, papel de presente amassado nas pontas. Dentro, havia um livro meu: Amores que transformam, publicado em 2024, pela editora Escola Cidadã, de Minas Gerais.

Ele disse que aquele livro lhe servira de amparo num tempo difícil, desses que os adolescentes atravessam na vida. E completou, com uma sinceridade que desmonta qualquer defesa: “O senhor tem razão professor, o amor transforma”.

Não sou homem de chorar à toa, mas aquilo me desarmou. Fiquei parado ali, segurando o livro como quem segura um segredo bonito, desses que aquecem a gente por dentro sem fazer barulho.

Foi então que outro aluno, curioso com a cena, comentou: “Se esse livro é tão bom assim, professor, o senhor me empresta?”. Sorri, ainda meio atravessado pela emoção, e respondi: “Claro. Tome, vá ler”.

Depois dessas delicadezas, dezembro vai me conduzindo devagar, como quem puxa um fio de luz pela cidade. As ruas ganham um brilho quase acanhado, como se também se preparassem para descansar.

Caminho sem pressa e deixo que os detalhes me encontrem: a vizinha molhando as plantas no fim da tarde, o menino testando seu papagaio no quintal, o cheiro de pão quente escapando de alguma cozinha. Há uma paz miúda nesses dias, dessas que ninguém comenta, mas que se sente no ar como um toque leve no ombro.

E no fundo acho que é por isso que gosto tanto desse mês. Dezembro me ensina a olhar a vida com mais suavidade, a aceitar o que passou e guardar apenas o que pesa menos. Assim, a vida não fica mais fácil, mas fica mais possível.

E eu sigo, levando comigo esses gestos pequenos, um livro devolvido com gratidão, um abraço que fecha o ano. Coisas miúdas, quase invisíveis, mas que ficam. Porque a felicidade, no fim das contas, mora justamente nisso: no que quase ninguém vê, mas que a gente nunca esquece.

Luís Lemos é professor, filósofo, escritor, autor, entre outras obras de, “O primeiro olhar” (2011), “O homem religioso” (2016), “Jesus e Ajuricaba na terra das amazonas” (2019), “Filhos da quarentena” (2021), “Amores que transformam” (2024) e “Noite Santa” (2025).

Instagram: @luislemosescrito

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