Dezembro amanheceu silencioso no bairro São José Operário, em Manaus, como se a cidade inteira tivesse acordado no paraíso, respirando devagar para não espantar a delicadeza da manhã.
A chuva fina da madrugada ainda brilhava nas calçadas quando abri o portão de casa e saí caminhando devagar pela Avenida Autaz Mirim, onde as primeiras luzes de Natal piscavam tímidas nos postes.
A decoração era simples, mas suficiente para transformar o bairro. “Dezembro sempre inventa um encanto novo”, pensei, sentindo o ar úmido cheirar a terra molhada, café fresco e pão assado.
Na escola Esperança, os alunos já se preparavam para se despedir do ano letivo. Os corredores estavam mais vazios, o barulho mais suave. Foi então que Arthur, do 6º ano B, conhecido por nunca ficar quieto, apareceu segurando um envelope pequeno e amassado.
— Professor, fiz isso antes que me faltasse coragem.
A letra estava tremida, mal dava para ler, só depois de muito esforço, mas a sinceridade vinha inteira. No bilhete, lia-se: “Obrigado por acreditar em mim quando nem eu acreditava”.
Fechei os olhos por um instante, sentindo a frase pousar dentro de mim como um pássaro procurando abrigo. Quando os abri, Arthur já corria pelos corredores, misturando-se aos colegas que ensaiavam despedidas apressadas.
No dia seguinte, quando os primeiros raios de sol surgiam por trás da escola, eu corrigia provas, quando ouvi uma batida suave na porta. Era Rafaela, do 7º ano A, carregando um envelope rosa.
— Professor, não quero deixar para depois. Às vezes o ano acaba e a coragem também — disse, evitando meu olhar.
Dentro havia uma foto dela com dois colegas que participavam do projeto de Pesquisa Ciência na Escola (PCE), que eu conduzi com tanto carinho. No verso, ela escreveu: “Com o senhor, descobri que a Ciência também salva e nos ajuda a fazer amigos”.
Fiquei parado, segurando a imagem como quem segura à própria respiração. Aquelas palavras mexeram tanto com o meu coração que nenhum planejamento anual poderia prever.
Depois disso, passei a arrumar meu armário, a descartar trabalhos e provas que, por motivos que agora nem sei explicar, nunca cheguei a devolver aos alunos.
Na última sexta-feira antes das férias, apaguei as luzes da sala, fechei a porta com cuidado e deixei para trás todo o barulho do ano.
No bolso, guardei apenas o que tinha valor de verdade: a carta de Arthur, a foto de Rafaela e seus amigos, os pequenos gestos que dão sentido aos dias.
Ao passar pelo pátio, encontrei Dona Fátima, a funcionária da limpeza, ajeitando um presépio improvisado ao lado da cantina.
— Vai embora, professor?
— Vou, Fátima. As férias me chamaram.
— Então vá com Deus. Que o Menino Jesus, o verdadeiro sentido do Natal, lhe acompanhe e lhe proteja.
Agradeci com um sorriso. Depois segui em silêncio, deixando que a cena ficasse gravada em mim como uma última lição do ano.
Saí devagar, como quem leva um pedaço do presépio no peito.
E, enquanto voltava para casa, percebi que o valor de um professor não reside no saber que ele oferece, mas na forma como desperta no estudante a possibilidade de sonhar e de acreditar em si mesmo.
Luís Lemos é professor, filósofo, escritor, autor, entre outras obras de, “O primeiro olhar” (2011), “O homem religioso” (2016), “Jesus e Ajuricaba na terra das amazonas” (2019), “Filhos da quarentena” (2021), “Amores que transformam” (2024) e “Noite Santa” (2025).
Instagram: @luislemosescrito








