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Em junho de 2025, completa meio século o acordo nuclear entre Brasil e Alemanha, firmado em 27 de junho de 1975. Idealizado como um dos maiores projetos tecnológicos do século XX, o pacto previa a transferência de tecnologia alemã para o desenvolvimento de oito usinas nucleares no Brasil. No entanto, 50 anos depois, o projeto acumula promessas não cumpridas, polêmicas políticas e questionamentos de segurança e viabilidade.

O que previa o acordo?

Assinado durante os governos do general Ernesto Geisel, no Brasil, e do chanceler Helmut Schmidt, na Alemanha Ocidental, o tratado estabelecia a construção de oito usinas nucleares brasileiras com tecnologia alemã. No entanto, apenas Angra 2, inaugurada em 2001, foi concluída. Angra 3, iniciada em 1986, segue inacabada e já consumiu mais de R$ 20 bilhões.

Para o sociólogo Luiz Ramalho, que vive em Berlim e preside o Fórum da América Latina, o acordo deveria ter sido encerrado há décadas. “Foi celebrado como um marco tecnológico, mas se mostrou um fracasso prático e um erro estratégico”, afirma. Ramalho critica a renovação automática do acordo, feita a cada cinco anos, e a resistência política em encerrar o pacto.

Tentativas frustradas de rompimento

O Partido Verde alemão, que tem o antagonismo à energia nuclear como parte de sua origem, tentou diversas vezes cancelar o tratado. Em 2004, quando integrava o governo alemão, o então ministro do Meio Ambiente, Jürgen Trittin, propôs transformá-lo numa parceria por energias renováveis. O plano foi barrado por Dilma Rousseff, então ministra de Minas e Energia.

Em 2014 e 2024, novas tentativas de anulação foram feitas pelo partido, sem sucesso. Até recentemente, o cenário político na Alemanha, com verdes no comando dos ministérios do Exterior, Economia e Meio Ambiente, parecia favorável ao fim do pacto. Mas a instabilidade da coalizão progressista e a guerra na Ucrânia reembaralharam as cartas.

Críticas e riscos

Para o deputado Harald Ebner (Partido Verde), o acordo falhou. “Das oito usinas previstas, seis nem foram iniciadas, Angra 3 virou um canteiro de obras perpétuo, e Angra 2 foi finalizada com 24 anos de atraso”, disse. Ele alerta ainda para a vulnerabilidade geológica da região de Angra dos Reis, suscetível a deslizamentos e inundações, o que representa um risco elevado.

A ativista Miriam Tornieporth, da ONG Ausgestrahlt, destaca ainda o aspecto geopolítico: com o fornecimento de urânio da Rússia para o Brasil através de planta alemã em parceria com a estatal Rosatom, o acordo adquire novos contornos em tempos de guerra e sanções contra Moscou.

“Presumimos que o material russo esteja sendo enriquecido em Gronau e Lingen e enviado ao Brasil. Isso torna a Alemanha cúmplice indireta de uma indústria que escapou às sanções internacionais”, afirma Tornieporth.

Energia nuclear: passado ou futuro?

Apesar das críticas, a energia nuclear voltou a ganhar espaço globalmente. A Agência Internacional de Energia (IEA) aponta que 40 países planejam expandir sua capacidade nuclear como forma de reduzir emissões e garantir segurança energética.

No Brasil, apenas 3% da eletricidade é gerada por usinas nucleares. Ainda assim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, antigo crítico da energia nuclear, mostrou interesse em miniusinas nucleares, sobretudo após encontros com o presidente russo Vladimir Putin.

Na própria Alemanha, o debate foi reaberto após o encerramento das atividades nucleares em 2023. Durante a campanha eleitoral de 2024, líderes da União Democrata Cristã (CDU) defenderam a reativação de usinas. A ministra da Economia, Katherina Reiche, chegou a participar da Aliança Nuclear Europeia, grupo que inclui França, Suécia e Polônia.

Futuro incerto

O futuro do acordo Brasil-Alemanha depende agora principalmente dos social-democratas (SPD), que lideram a coalizão de governo. Segundo Nina Scheer, porta-voz de política energética do partido no Bundestag, o momento é oportuno para substituir o acordo nuclear por uma nova parceria focada em energias renováveis.

“Essa transição energética deve ser a base da parceria estratégica entre Brasil e Alemanha”, afirma Scheer.

Por enquanto, o acordo segue em vigor. Mas, à medida que mudanças climáticas, segurança energética e tensões internacionais redefinem prioridades globais, cresce a pressão para que o pacto nuclear seja finalmente deixado no passado — como um símbolo de uma era que talvez tenha chegado ao fim.

Com informações de Metrópoles

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