Vejo pelos jornais que muitos colegas estão vivamente empenhados em movimento para obter a legalização do porte de armas de fogo para os advogados. A ideia não é nova. Nos idos de 2005, o hoje cassado deputado Roberto Jefferson apresentou projeto de lei nesse sentido. Na época, e com o mesmo título que encima esta coluna, publiquei o texto que abaixo transcrevo:
“Ao argumento de que as atividades desenvolvidas pelos advogados “em tudo se assemelham às dos membros do Ministério Público e da Magistratura”, o deputado Roberto Jefferson (PTB/RJ) vem de apresentar o projeto de lei 4869 por via do qual pretende que os advogados sejam autorizados a portar armas de fogo.
O parlamentar busca esse desiderato, propondo o acréscimo de um inciso específico ao art. 6º, da lei 10.826/2003, aquela conhecida como Estatuto do Desarmamento e que, segundo sua ementa, “dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências”.
A justificativa do projeto parte do pressuposto de que “a defesa pessoal é uma necessidade para muitos advogados que, a exemplo dos magistrados e membros do Ministério Público exercem atividades de risco à própria vida e à sua integridade física”, concluindo: “motivo suficiente para que aos advogados seja estendido o mesmo direito que é assegurado aos magistrados e aos membros do Ministério Público, pois estão sujeitos às mesmas ameaças, riscos e perigos”.
Até compreendo a intenção do representante do povo, ele próprio um brilhante advogado. Mas, francamente, não vejo qualquer necessidade da medida que ele sugere. Digo mais: se as leis orgânicas da magistratura e do ministério público não previssem o porte de arma, livre, puro e simples, para os integrantes das duas categorias, talvez se tivessem evitado as tragédias do Ceará e de São Paulo em que, respectivamente, um juiz matou um vigia e um promotor tirou a vida de um jovem à porta de uma boate.
Para que um advogado há de querer andar armado? Na parte que me toca, não canso de repetir aos meus alunos que a única arma de que dispomos é a palavra. Escrita ou verbal, é com ela, e só com ela, que havemos de enfrentar as lides e combater as iniqüidades. Quando o advogado, no Tribunal do Júri, usando o tempo de exíguo de duas horas, promove a defesa de seu cliente e lhe consegue a absolvição, foi só a arma letal da palavra que forjou a convicção da maioria dos cidadãos jurados.
Falar e escrever são, portanto, as únicas matérias primas indispensáveis para o exercício de nossa profissão.
Há perigos no exercício profissional? Há e muitos. Nada, porém, que permita imaginar seja necessário recorrer a armas de fogo como forma de solução de pendências. “No seu ministério privado, — diz o nosso Estatuto – o advogado presta serviço público e exerce função social”. Vamos prestá-lo e exercê-la do alto de nossa dignidade e, já que somos indispensáveis à administração da justiça, não temamos os arreganhos dos façanhudos que, com beca ou sem ela, quiserem opor obstáculos ao desenvolvimento do nosso múnus.
Por tudo isso, agradeço a boa vontade do deputado carioca. Mas, se ao longo de quarenta anos de profissão jamais precisei de um revólver para prestar serviços aos meus clientes, não haverá de ser agora, com lei ou sem lei, que me disporei a andar de coldre e cartucheira.
Se o patriarca Flaviano Limongi me permitir, prefiro imitá-lo e dizer que me satisfazem “um abraço e uma rosa”.
Dezessete anos se passaram e o único que se modificou na minha posição foi que, ao invés de quarenta anos, agora exibo mais de meio século de exercício profissional. Respeito a pretensão dos colegas que abraçam a ideia e até consigo entendê-la. Mas, pessoalmente, não me posso imaginar no papel de um John Wayne envelhecido, a empunhar um colt 45 e pronto para o duelo ao pôr do sol. Nada disso. Enquanto me for permitido, nas minhas liças verbais ou escritas seguirei usando a palavra como único instrumento que me é dado manejar com alguma habilidade. Quanto às balas, prefiro as de cupuaçu.