Depois de banho gelado nas águas de um igarapé ainda não poluído, flagro-me em meditações supostamente filosóficas. Com perdão de Sócrates e também dos pré-socráticos pela ousadia, ponderava para mim mesmo que as pessoas deveriam ser obrigatoriamente dotadas de um senso de respeito umas pelas outras, de tal forma que eventuais discordâncias não redundariam nunca em ofensas e agressões gratuitas. Trata-se, como é óbvio, de elucubração que está longe de buscar qualquer reconhecimento de originalidade. Cuido, ao contrário, que com esta mesma forma ou com outra que se lhe assemelhe, tal pensamento já há de ter perpassado as ideias de um número infinito de pessoas, desde os tempos em que Sargão conduzia os destinos do império acádio, milênios antes da nossa era.
Mas se é assim, se é tão óbvia a ponderação, por que não se transforma em realidade? O que se vê, no plano objetivo, são os assaques inexplicáveis a valores que estão intrinsecamente ligados à personalidade humana, denegrindo-a de forma às vezes irreparável, assim como se se tratasse algo sem nenhuma valia.
Veja-se o que vem de acontecer recentemente em Manaus, aqui mesmo nesta risonha e acolhedora cidade. E foi este o fato que me lançou nessa jornada imaginativa. Uma jovem, que teria um relacionamento com o prefeito, teve sua vida assustadoramente devassada, com a mais desbragada exposição de sua intimidade nas redes sociais. Nada lhe foi poupado. Sádicos e energúmenos pareciam se deliciar com o espetáculo atroz, enquanto as divulgações se multiplicavam em proporção geométricas. O objetivo de tamanha maldade permanecia nas sombras, como encobertos ficaram os autores da indignidade.
O que pode levar alguém a uma atitude desse jaez? Talvez um ódio muito profundo, com raízes impenetráveis, pudesse ser o fio condutor. Mas se isso serviria como explicação, estaria longe de alcançar o patamar de justificativa. Até porque essas paixões violentas devem e têm que ser contidas, justamente em nome da boa convivência.
Imaginei que o motivo pudesse ter sido político. Se o foi, a ofensa, além de ignóbil, é covarde, porque praticada contra terceiro, mas buscando alvo distinto. Ademais, as divergências nesse campo, até por serem lugar-comum, hão de ser enfrentadas com o mínimo de civilidade, de tal forma que se contenham nos estritos limites do racional.
Não, definitivamente não logrei encontrar nada minimamente são que pudesse servir como suporte para episódio tão surreal. Não consegui tirar da lembrança a imagem de como deve estar sendo a vida dessa moça, tão cruelmente violentada naquilo que pode haver de mais íntimo num ser humano. Tenho filhas e netas, que adoro incondicionalmente, e, pensando nelas, é-me dado avaliar a intensidade da humilhação e da revolta causadas por essa irresponsabilidade de dimensões amazônicas.
Resta esperar, como pálido consolo, que os ofendidos tenham meios de levar os autores às barras dos tribunais. Se é certo que os efeitos da ofensa jamais poderão ser retirados, pelo menos fica-se com a esperança de poder conhecer as faces dos que tenham sido capazes de tamanha abjeção.
Um último aviso às gralhas de plantão, aquelas que em tudo querem ver interesses subalternos: nunca vi pessoalmente o prefeito de Manaus, conhecendo-lhe a imagem apenas por jornais e televisão. A moça, muito menos. Também não me move o falso moralismo daqueles que, em nome de um deus só deles conhecido, propagam o ódio e a mentira. Este texto, portanto, é apenas produto da minha inconformidade com a estupidez, sabido que a velhice tem me tornado mais e mais intolerante com todas as formas de burrice, de velhacaria e de insensatez.
Volto ao início: cultivemos o mínimo de respeito uns pelos outros. Continuo achando que isso é possível.