Ninguém apaga de sua vida um grande amor, sobretudo quando esse amor não é correspondido. Não é fácil virar a página e seguir em frente. Mas eu precisava e, de certa forma, estava conseguindo. Há muito tempo havia compreendido que o amor platônico fora apenas uma fase, algo que já deveria ter ficado para trás. Mas será mesmo? Felizmente, ou talvez infelizmente, o amor platônico permanecia em mim, transfigurado no trabalho, nessa dedicação silenciosa que me sustentava vivo e por inteiro.

Nos dias seguintes, meu olhar se fixou no ofício maior: ensinar meus alunos a pensar. E assim, a curiosidade começou a florescer pela sala: um aluno se erguia para ler um texto, outro me surpreendia com perguntas sobre livros inesperados. A paixão pelo saber espalhava-se em silêncio, leve e contagiosa, como um sopro de vida.

— Professor, posso trazer um poema para a próxima aula? — perguntou Sofia, timidamente, segurando um caderno cheio de versos.

— Claro — respondi, sorrindo —. E depois me conte o que ele te ensinou sobre o mundo e sobre você.

Naquele momento, compreendi que ensinar não é apenas transmitir conteúdo. É acender pequenas chamas de curiosidade, é provocar perguntas, é criar coragem para que cada aluno busque respostas por si mesmo. E, quando esses olhos brilham, sinto o mesmo arrepio que senti tantos anos atrás, olhando para minha primeira professora.

Uma tarde, enquanto arrumava livros na estante da biblioteca, notei que Beatriz, uma aluna de olhos atentos, observava um mapa-múndi. Aproximou-se, segurando uma caneta, e disse-me:

— Professor, quero aprender mais sobre os filósofos, os lugares, as culturas… E quero entender também como as pessoas sentem amor em cada canto do mundo.

— Então comece fazendo perguntas — respondi —. Porque aprender é, antes de tudo, se deixar tocar pela curiosidade e pelo desconhecido.

Ao final do dia, caminhei até a sala vazia, sentei-me na carteira do fundo e abri novamente o arquivo antigo: “Amor Platônico – Confidencial”.

Revirei cada palavra, relembrei cada gesto e, no fim, escrevi mais uma linha: “O amor verdadeiro ensina, inspira e se multiplica. Ele não se prende, não se consome; ele semeia”.

Fechei o computador, respirei fundo e olhei pela janela. A escola estava silenciosa, mas sabia que, lá dentro, pequenas chamas continuavam acesas. Senti a certeza de que aquele amor que aprendi a guardar não era apenas meu. Ele pertencia a cada aluno que decide olhar o mundo com curiosidade, a cada coração que aprende a se encantar pelo conhecimento.

Por fim, meus olhos se acenderam como estrelas diante da certeza de ensinar com a mesma doçura com que aprendi; e, nesse instante, uma felicidade imensa, quase mágica, tomou conta de todo o meu ser, como se eu fosse atravessado por uma luz que vinha de dentro e se espalhava para o mundo. E, em silêncio, pensei comigo mesmo:

“Ensinar é um ato de amor, porque implica respeito, diálogo e confiança na capacidade do outro de aprender. Não é transmitir conteúdos prontos, mas construir juntos a leitura do mundo”.

— E o amor na educação, o que seria? Será que realmente existe? — perguntei a mim mesmo. Foi então que uma voz, como se viesse das páginas adormecidas em minha estante, respondeu:

— Amar, na educação, é vislumbrar no estudante um horizonte de possibilidades. É acreditar em seu potencial e, com delicada paciência, semear nele as sementes de um futuro mais humano, mais justo e verdadeiramente solidário.

Luís Lemos é professor, filósofo, escritor, autor, entre outras obras de, “O primeiro olhar” (2011), “O homem religioso” (2016), “Jesus e Ajuricaba na terra das amazonas” (2019), “Filhos da quarentena” (2021), “Amores que transformam” (2024) e “Noite Santa” (2025).

Instagram: @luislemosescrito

Artigo anteriorDefensoria Pública pede suspensão do uso de explosivos em operações contra garimpo no Rio Madeira  
Próximo artigoDeyverson e mais três jogadores são reintegrados no Fortaleza