No dia seguinte, entre livros e cadernos espalhados pela sala de aula, notei que cada gesto dos meus alunos carregava uma semente. Alguns tentavam explicar uns aos outros; outros me faziam perguntas inesperadas, que iam muito além da matéria.

Aos poucos, percebi que a sala de aula se tornara um pequeno laboratório de curiosidade e afeto.

Cada dúvida, cada sorriso, cada olhar atento era um fio invisível que ligava passado e presente.

— Professor, por que algumas coisas só aprendemos quando queremos de verdade? — perguntou Miguel, apoiando o queixo na mão.

— Porque aprender é uma escolha — respondi —. Só se aprende de fato quando o coração se envolve, quando sentimos que aquilo importa para nós.

Sentei-me na beira da mesa, observando cada aluno, percebendo detalhes que antes poderiam passar despercebidos:

a) o cuidado de Ana ao escrever;
b) o entusiasmo de Sofia ao mostrar um poema;
c) a determinação de Lucas ao levantar a mão para explicar seu raciocínio.

Tudo era um lembrete silencioso: ensinar é despertar vidas, não apenas transmitir conteúdo.

Ao longo da aula, ouvi pequenos comentários entre os estudantes, fragmentos de conversas sobre descobertas, leituras e ideias que iam se entrelaçando.

Uma energia diferente pairava no ar, algo que ia além do barulho típico do nono ano; algo que lembrava o que eu sentia décadas atrás, quando admirava minha primeira professora.

Era o amor pelo conhecimento tomando forma, crescendo silencioso, mas firme.

— Professor, posso levar um livro para casa? — perguntou Sofia, segurando outro caderno cheio de notas.

— Claro — respondi —. E não se esqueça: o importante não é apenas ler, mas sentir o que o texto te desperta, fazer dele uma ponte para suas próprias ideias e sentimentos.

Ao fechar o computador no fim da aula, senti a certeza de que ensinar é semear vidas. O que um professor planta com paciência e atenção não se perde; floresce de formas inesperadas, silenciosas, mas duradouras.

O amor que ensina não se esgota; ele se multiplica em cada gesto, cada olhar, cada pequena descoberta.

Depois do expediente, enquanto caminhava pelo pátio vazio da escola, a brisa suave atravessando os corredores, lembrei-me da carta antiga: “Amor Platônico – Confidencial”.

Senti que o meu primeiro amor, o meu primeiro encantamento, agora se transformava em legado.

Cada aluno que se aproxima do conhecimento com curiosidade e paixão carrega consigo uma parte desse amor silencioso que nunca se apaga.

Naquele fim de tarde, deixei a escola com o coração tranquilo. Sabia que a herança da minha primeira professora continuava viva, multiplicada nas mãos e nos olhos dos meus alunos. Um amor antigo, transformado em luz, que nunca deixa de ensinar.

No início da noite, já em casa, enquanto preparava uma sopa de legumes para o jantar e no rádio tocava uma canção de Roberto Carlos, surpreendi-me mergulhado em pensamentos:

“O amor platônico, o amor pelo saber, o amor silencioso que inspira, tudo isso é o que confere à vida sua face de eternidade. E, talvez, o mais essencial de tudo: ensinar é um gesto de amor.

Pois, em cada aluno que se deixa encantar pelo conhecimento, esse amor renasce, se expande e continua a florescer”.

Luís Lemos é professor, filósofo, escritor, autor, entre outras obras de, “O primeiro olhar” (2011), “O homem religioso” (2016), “Jesus e Ajuricaba na terra das amazonas” (2019), “Filhos da quarentena” (2021), “Amores que transformam” (2024) e “Noite Santa” (2025).

Instagram: @luislemosescrito

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