
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, repudiou a declaração do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que se disse “extremamente satisfeito” com as operações policiais no litoral norte de São Paulo, que já deixaram 13 mortos. Em entrevista ao UOL, a ministra defendeu um trabalho de conscientização junto a autoridades para evitar o uso da violência em ações de segurança, destacou que um jovem negro morre a cada 30 minutos, em média, no país, e afirmou que a “pele preta não pode ser suspeita”.
Segundo a Secretaria de São Paulo, o número de mortes se explica porque houve confrontos e os agentes reagiram contra homens armados, mas familiares das vítimas acusam a polícia de ter agido em vingança e assassinado pessoas indefesas após a morte do policial Patrick Bastos Reis, na semana passada, no Guarujá (SP). Anielle Franco disse que a vingança “vai sempre pesar sobre as pessoas fracas e mais pobres”
— Quando tem declaração como essa, como do governador de São Paulo e como já aconteceu com governadores do Rio, a tristeza maior é que são famílias que perdem seus entes queridos. Toda solidariedade não só ao policial militar Patrick, mas às famílias que tiveram seus filhos assassinados. A palavra vingança, quando pesa, vai sempre pesar sobre as pessoas fracas e mais pobres, e com a cor que a gente sabe que é, que são as pessoas de pele negra — afirmou Anielle Franco.
A ministra disse que é “triste e lamentável” a ocorrência de chacinas até hoje.
— Sinto muito que em 2023 a gente ainda esteja vivenciando chacinas como essa. Ainda é muito triste e precisa cada vez mais conscientizar que a pele preta não pode ser suspeita. Não podem entrar e atirar — disse a ministra, que perdeu sua irmã, Marielle, assassinada no Rio. — Costumo lembrar que muitas vezes na Maré (favela onde cresceu) a gente não podia entrar e sair por conta da violência. Hoje tenho quase 40 anos e lembro de como menina já passar por situações como essas. E quantas pessoas inocentes, quantos policiais, já perdemos nessa trajetória de ser favelada.
Ao citar medidas realizadas pelo ministério da Igualdade Racial no combate à violência policial, Anielle destacou a caravana Juventude Negra Vive ,que já foi a 16 cidades neste ano com ofertas de ações de educação, cultura e esportes e que abriu diálogos com governantes, polícias, Defensorias Públicas e Ministérios Públicos para a formulação de políticas públicas de enfrentamento à violência contra a população jovem e negra. Questionada se esse tipo de atuação poderia ser vista como “enxugamento de gelo” diante das posturas bélicas de governadores de estado, ela defendeu o trabalho.
— Não (acho que é enxugar geral), porque alguém tem que fazer. Precisamos fazer o trabalho para a gente pensar que jovens negros não podem seguir morrendo. Nossa juventude quer viver. Por isso educação e cultura têm que chegar nesses lugares. É preciso dialogar sim com polícia, governadores e prefeitos para que entendam de uma vez por todas que não é pela violência que a gente consegue combater esse mal da segurança pública — concluiu a ministra
Morte de policial gerou reação
Na noite da última quinta-feira (27), o soldado Patrick Bastos Reis, da Rotas Ostensivas Tobias de Aguiar (ROTA) morreu após ser baleado durante um patrulhamento na comunidade Vila Zilda, no Guarujá. Outro policial ficou ferido. A ROTA fazia uma operação contra o tráfico de drogas no Litoral há alguns dias, já que a região é tida como prioritária nas ações de segurança pública da gestão Tarcísio.
Em resposta, o governo estadual deflagrou a Operação Escudo, a fim de tentar encontrar o autor dos tiros. Mas a operação policial gerou diversos confrontos em periferias do Guarujá durante o fim de semana, e deixou ao menos oito mortes. Para Tarcísio, os policiais apenas reagiram para conter a ameaça.
— A gente não quer de maneira nenhuma o confronto, mas a gente não vai tolerar a agressão porque a polícia reage para repelir a ameaça. Todas as ocorrências vão ser investigadas. Agora, não podemos permitir que a população seja usada e não podemos sucumbir às narrativas, a gente está enfrentando o tráfico de drogas e o crime organizado. A gente tem uma polícia extremamente profissional que sabe usar exatamente a força na medida em que ela precisa ser utilizada. Não houve hostilidade, não houve excesso, houve uma atuação profissional e que resultou em prisões — falou durante coletiva de imprensa nesta segunda.
Segundo a SSP, cinco policiais da reserva e um em serviço morreram na Baixada Santista somente neste ano. Rafael Alcadipani, professor da área de segurança pública na FGV-EAESP, destaca que a morte de um policial da Rota, considerada uma tropa de elite da Polícia militar paulista, é algo raro.
— A morte de um policial da rota em serviço e na viatura é um evento muito raro em São Paulo e sugere um descontrole do estado na baixada santista — opina.
Na noite do domingo, um homem chamado Erickson David Silva se entregou à polícia, confessando que matou o soldado Reis. Sua confissão teria sido corroborada por outras testemunhas que estavam no local, de acordo com a Secretaria de Segurança Pública. Além dele, outras sete pessoas foram presas em flagrante no sábado, por crimes como tráfico de drogas, organização criminosa e homicídio, e mais duas no domingo. A operação Escudo deve seguir por ao menos mais 30 dias.
Repercussões
O ouvidor das Polícias foi até a cidade na tarde da última segunda, para conversar com familiares de vítimas e ouvir de perto as denúncias que a ouvidoria tem recebido. Há relatos de torturas e abusos nas abordagens, além do relato de dez mortes — duas a mais do que a contagem oficial do governo. O Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo foi acionado pela ouvidoria e por movimentos sociais, e está acompanhando o caso e colhendo informações, e irá ao local nesta semana para ouvir famílias e moradores.
Em nota, a SSP informou que “todas as mortes resultantes de ações policiais estão sendo rigorosamente investigadas pela Divisão Especializada de Investigações Criminais (Deic) de Santos” e por meio de inquéritos militares e ressaltou que ocorreram oito mortes. A secretaria não deu nenhuma informação sobre a identidade das vítimas ou sobre o contexto das mortes. Também não respondeu quantas armas foram apreendidas na operação. Ainda de acordo com a pasta, a Operação Escudo seguirá no Guarujá por pelo menos 30 dias.
A ocorrência movimentou até o governo federal, e o ministro dos Direitos Humanos Sílvio de Almeida acionou a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos para acompanhar as investigações. O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, afirmou que espera uma investigação dos órgãos competentes da Polícia e do Ministério Público paulista e destacou que as imagens gravadas pelas câmeras corporais dos agentes devem ajudar na apuração. Dino ainda lamentou a morte do policial, mas disse que a reação ao crime parece ter sido “desproporcional”.
— Total solidariedade ao soldado, às polícias de São Paulo e à família. Com certeza as imagens das câmeras vão conseguir demonstrar que houve confronto ou se houve de fato o descumprimento da lei. É um terrível crime contra um policial, que merece repúdio, e houve uma reação imediata que não parece, neste momento, ser proporcional em relação ao crime que foi cometido. Agora, isso não é possível ser afirmado agora com apenas 24 horas, por isso é muito importante garantir o principal: que as investigações ocorram conduzidas pelas autoridades estaduais.
Em nota, o Instituto Sou da Paz lamentou a morte do soldado e manifestou “preocupação” com as denúncias de abusos policiais, e criticou a falta de investimentos da atual gestão em novas câmeras corporais. “A emboscada covarde que resultou na morte do soldado PM Patrick Bastos Reis precisa de uma rápida reação do Estado. É inadmissível, no entanto, que essa resposta seja dada de forma descontrolada e fora das balizas legais. Esperamos que a Polícia Civil e Ministério Público possam revisar as provas destas ocorrências e as imagens disponíveis para apurar e punir possíveis abusos, em claro sinal de que retrocessos como este não serão tolerados”, destacou o instituto.
Com informações de: O Globo







