
O Banco Central deu início anteontem a um ciclo de queda da taxa básica de juros, a Selic, que caiu para 13,25%. O corte de 0,5 ponto percentual surpreendeu muitos analistas, mas chamou ainda mais a atenção do mercado o fato de o BC ter sinalizado para novas reduções dessa magnitude à frente. No mercado, já há quem preveja um ritmo mais forte de redução, para menos de 12% até o fim do ano.
Para José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC acertou ao sinalizar novos cortes de 0,5 ponto percentual nas “próximas reuniões”.
Essa sinalização, explica ele, não combinaria com um ambiente de elevada incerteza como o atual, marcado por inflação alta em vários países, mas se justifica como forma de conter uma eventual euforia dos investidores.
— Todo ingresso em ciclo de baixa de juros costuma gerar uma certa euforia. O juro para baixo traz um monte de alegria, facilita aplicações em ações, representa alta de preços nos títulos (de dívida), com perspectivas de ganhos muito grandes. Os participantes de mercado ficam com olho gordo em trajetória de queda de juros — disse Senna.
— Evitar euforia é bom porque, com a euforia, os juros de mercado acabam caindo muito, e isso não é o que interessa para quem está combatendo a inflação — disse Senna.
‘País acordou aliviado’
Declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), João Pedro Nascimento, ilustram um pouco esse sentimento de euforia.
— Hoje o país acordou mais aliviado. Uma quantidade de pessoas me mandando mensagens — afirmou Haddad à GloboNews.
Já Nascimento, da CVM, disse que o Brasil deveria celebrar a redução da Selic como “uma data especial”:
— Agora a gente vai observar um momento de crescimento econômico com inclusão social, por meio do mercado de capitais.
Em comentário divulgado ontem, economistas do Bradesco reforçaram a interpretação de Senna. “Entendemos que a sinalização tem o objetivo de conter as expectativas de cortes mais acelerados de juros adiante, ao menos que haja surpresas relevantes no cenário prospectivo de inflação e crescimento.”
Para Senna, que foi diretor do BC, as revisões para baixo nas projeções sobre o patamar da Selic no fim do ano têm mais a ver com a definição do tamanho do primeiro corte do que com mudanças no quadro da economia e da inflação.
Outros economistas e analistas de mercado, no entanto, avaliam que o BC deixou aberta a possibilidade de acelerar o tamanho dos cortes da Selic. Leonardo Porto, economista-chefe do Citi no Brasil, disse à Bloomberg que espera que o BC acelere o ritmo de queda nos juros e, eventualmente, leve a Selic a um patamar abaixo do projetado hoje pelo mercado.
Em relatório divulgado na noite de quarta-feira, no qual revisou a projeção para a Selic no fim deste ano de 12% para 11,75%, o economista-chefe do Itaú, Mário Mesquita, ressaltou que, apesar da sinalização para as próximas reuniões, “não é possível descartar” uma aceleração no ritmo dos cortes da Selic.
Felipe Salles, economista chefe do C6 Bank, diz que há grande possibilidade de, com a inflação sob controle, o BC anunciar cortes na taxa de juros mais agressivos, de 0,75 ponto percentual.
Para Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados, o comunicado do Copom não aponta para cortes acima de 0,50 ponto, mas a composição da diretoria do BC, sim. O novo diretor de Política Monetária da autarquia, Gabriel Galípolo, é percebido como mais leniente com a inflação.
Taxa DI para 2028 sobe
Segundo Vale, a expectativa do mercado é por uma diretoria do BC mais tolerante com a inflação, em nome de um maior crescimento da economia:
— O pessoal que está entrando agora, e, eventualmente, vai entrar, é um pouco da turma que acredita que um pouco mais de inflação não é problema, que um pouco mais de inflação é um lubrificante para economia.
Vale lembrar que, no governo Dilma Rousseff, o BC perdeu credibilidade e o controle sobre a inflação.
Essa avaliação ditou, de certa forma, o comportamento dos juros futuros ontem. A taxa DI com vencimento em janeiro de 2025 recuou 10,675% para 10,505%. Nos contratos longos, o movimento foi o inverso: a taxa para janeiro de 2028 subiu de 10,290% para 10,415%, e a para janeiro de 2029 foi de 10,440% a 10,610%.
— Na ponta curta, com o corte maior e sinalização de prosseguimento, a curva embute a certeza na queda dos juros. Já nos contratos mais longos, os investidores costumam se proteger do sentimento de maior leniência do Banco Central com a inflação — disse Alexsandro Nishimura, economista e sócio da Nomos.
O relatório do Itaú destacou a divisão na decisão sobre o tamanho da primeira redução da Selic. Mesquita, que já foi diretor do BC, ressaltou no texto que “a maioria dos votantes com formação econômica ortodoxa preferiu uma abordagem mais cautelosa”, com corte de 0,25 ponto, e que, dos diretores favoráveis à diminuição menor, dois “têm mandatos que expiram em dezembro”.
“Os argumentos apresentados no comunicado, em nossa opinião, poderiam facilmente ter sido usados para justificar um movimento de 25 p.b., mas a opinião da maioria foi mais otimista”, diz o relatório do Itaú.
Senna, do FGV Ibre, fez crítica semelhante. Para o pesquisador, faltaram detalhes, no comunicado do Copom, sobre os motivos pelos quais o BC deveria começar a reduzir a Selic. Como as projeções para a inflação – que, para o BC, deveriam importar mais do que a inflação corrente – seguem acima da meta e ainda há incertezas sobre o equilíbrio das contas do governo, seria importante justificar melhor as condições que permitiriam reduzir o nível da restrição que os juros exercem sobre a economia.
Com informações de: O Globo







