A comoção causada pela morte do pequeno Benício Xavier de Freitas, de 6 anos, no Hospital Santa Júlia, em Manaus, continua reverberando entre profissionais de saúde. Desta vez, a farmacêutica clínica Simone Barale publicou um vídeo nas redes sociais afirmando que o caso “não é apenas uma notícia triste”, mas um alerta sobre fragilidades profundas e repetidas que colocam pacientes em risco todos os dias.

Simone destaca que erros relacionados a medicamentos raramente são eventos isolados ou fruto da ação individual de um profissional, mas sim consequências de falhas sistêmicas que se acumulam há anos. “O caso do Benício escancarou algo que muitos já sabiam: existem fragilidades importantes sendo negligenciadas”, afirmou.

Organização falha aumenta risco de erros

A farmacêutica aponta que uma das principais fragilidades está na organização dos serviços de saúde. Segundo ela, quando fluxos são mal definidos, protocolos não são aplicados e a comunicação entre equipes não funciona, o erro deixa de ser exceção e passa a ser previsível.

“Quando a estrutura não funciona, a chance de um erro acontecer é muito grande. E isso não deveria ser normalizado”, disse.

Descompasso entre formação e prática

Outro ponto crítico citado por Simone Barale é o descompasso entre a formação dos profissionais e as demandas reais da rotina hospitalar. Ela afirma que muitos chegam aos serviços sem treinamento adequado, assumindo responsabilidades que exigem elevado nível técnico.

“Existe um abismo entre o que se aprende e o que se exige na prática. A capacitação contínua deveria ser uma regra, não uma exceção”, reforçou.

Segurança do paciente: normas existem, mas não são aplicadas

Barale destacou ainda que as ferramentas de segurança — como dupla checagem, prescrição segura, cálculo de dose e monitoramento — são conhecidas e amplamente recomendadas. O problema, segundo ela, é a falta de aplicação consistente.

“No setor da aviação, ninguém decola sem checklist. Tudo é padronizado e revisado. No hospital, deveria ser igual. Protocolo não é burocracia, é proteção”, afirmou.

A farmacêutica também reforçou o papel essencial do farmacêutico clínico, que acompanha o uso correto de medicamentos e atua como barreira adicional à segurança do paciente. “Quando o farmacêutico clínico não faz parte da equipe, uma barreira essencial é retirada, e o risco aumenta”, completou.

O caso

Benício Xavier foi levado ao Hospital Santa Júlia no dia 22 de novembro, com tosse seca e suspeita de laringite. Segundo a família, ele recebeu lavagem nasal, soro, xarope e três doses de adrenalina intravenosa, de 3 ml cada, administradas a cada 30 minutos por uma técnica de enfermagem.

“Meu filho nunca tinha tomado adrenalina pela veia, só por nebulização. Perguntamos e a técnica disse que também nunca tinha aplicado desse jeito. Mas afirmou que estava na prescrição”, relatou o pai.

Após a aplicação, o menino apresentou piora rápida: ficou pálido, com extremidades arroxeadas e disse que “o coração estava queimando”.

A saturação caiu para cerca de 75%. Benício foi levado à sala vermelha e, mais tarde, para a UTI, por volta das 23h. Durante a intubação, sofreu a primeira de seis paradas cardíacas. Ele morreu às 2h55 do dia 23 de novembro.

Investigação

No dia 26 de novembro, o Conselho Regional de Medicina do Amazonas (CREMAM) instaurou um processo ético sigiloso para apurar a conduta da médica responsável pela prescrição. O Hospital Santa Júlia afastou a médica Juliana Brasil Santos e a técnica de enfermagem Raiza Bentes.

O delegado Marcelo Martins conduz a investigação como homicídio doloso qualificado, sem descartar a possibilidade de crueldade. Ele chegou a solicitar a prisão preventiva da médica, que permanece em liberdade devido a um habeas corpus concedido pelo Tribunal de Justiça.

Na quinta-feira (4), médica e técnica foram colocadas frente a frente em uma acareação, para esclarecer divergências sobre a administração da medicação e a dinâmica dos procedimentos realizados.

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