Fábio Monteiro

Em Governador Valadares, município mineiro a 300 quilômetros de Belo Horizonte (MG), é comum ter parentes ou conhecer alguém morando nos Estados Unidos. Os moradores da cidade, que sempre foi famosa pela quantidade de imigrantes enviados à América do Norte, acompanha de perto e com apreensão as ações do presidente Donald Trump relacionadas à imigração.

A servidora pública Flávia Xavier, 44 anos, conta que tem um irmão vivendo como imigrante ilegal há cerca de 20 anos em Connecticut. Desde a posse de Trump, os dias têm sido de medo e apreensão para ela. “Ele viajou em busca do sonho americano e acabou constituindo família por lá. Sempre trabalhou honestamente, e agora é tratado como bandido”, desabafou Flávia.

A servidora pública também se mostra preocupada com o estado emocional do pai dela, de 85 anos, que busca notícias da situação dos imigrantes e chora com frequência, com medo de que o filho e a família sofram ataques xenofóbicos.

A administradora Geise Batalha, 39, tem um irmão que vive na região de Nova Iorque há cerca de 20 anos. Ela disse que está bastante preocupada, quase desesperada, a ponto de mandar mensagens para ele várias vezes ao dia. Mesmo sendo tranquilizada pelo irmão, a mulher conta que perdeu a paz.

“Esta semana falei com ele e recebi uma notícia bem satisfatória em relação à situação dele, que está se encaminhando para a regularização. Mesmo assim, a gente fica preocupada com os amigos que estão lá”, disse a administradora.

O irmão de Geise, segundo ela, ajuda a mãe, enviando dinheiro periodicamente para colaborar com as despesas da casa. Ela conta que uma amiga do irmão chegou a ser presa nos Estados Unidos, mas como ela já havia entrado com pedido de asilo a expectativa é que seja solta nos próximos dias.

A balconista Aparecida de Jesus Alves de Oliveira, 57, tem duas irmãs que vivem em Massachusetts. Uma delas há cerca de um ano e a outra, aproximadamente dois. Ela disse que a família está apreensiva por causa das notícias de prisões e da forma como os brasileiros foram deportados no primeiro voo de 2025.

“Estamos confiando em Deus, pedindo para que, se elas tiverem que vir, venham logo embora. Mas rogando que ele dê o livramento para que não ocorra nada de ruim com elas por lá”, desabafa Aparecida.

Imigração de mineiros começou na década de 1960

Doutora em ciências humanas, sociologia e política e também professora e pesquisadora da Universidade Vale do Rio Doce (Univale), Sueli Siqueira estuda há anos o fenômeno da imigração para os Estados Unidos. Segundo a docente, o movimento começou na década de 1960, quando um grupo de 17 valadarenses resolveu sair da cidade rumo à América do Norte.

Ela conta que os 17 jovens pertenciam a famílias com melhores condições financeiras e que eles se mobilizaram para migrarem em 1964. Todos aprenderam a falar inglês na escola criada pelo casal Geraldina Simpson e Mister Simpson, um engenheiro norte-americano que veio ao Brasil trabalhar nas obras da estrada de ferro.

Os jovens migraram com visto de trabalho e abriram as portas para que outros tomassem o mesmo rumo. “Eles mesmos recebiam outros valadarenses e assim formaram uma rede que crescia cada vez mais com indicações de trabalhos e acolhimento de quem chegava”, relata.

Com o tempo, muitos passaram a usar o visto de turista para entrar nos EUA, pois migrar com o visto de trabalho tinha um custo bastante alto. Os passos seguintes para reduzir os custos da imigração foram recorrer a “mecanismos facilitadores”, que consistiam em falsificações de passaporte ou na travessia por terra pelo México.

A crise econômica pela qual passou o Brasil na década de 1980, com a hiperinflação e o desemprego nas alturas, fez com que muita gente da região do Vale do Rio Doce emigrasse para os Estados Unidos, legal ou ilegalmente. Desde então, muitos mineiros da região de Governador Valadares partiram para a América do Norte, o que acabou criando a fama de cidade exportadora de imigrantes.

As comunidades foram se formando, inicialmente, na região de Nova Iorque. Posteriormente, segundo a estudiosa, os brasileiros descobriram a região de Boston, onde existem fortes grupos de brasileiros, sobretudo nas cidades de Framingham, Somerville e Danbury.

“Nesses lugares, você encontra lojas com nomes de outras lojas daqui de Valadares, daqui de Minas Gerais. Da mesma forma como, na década de 1980 e 1990, as pessoas retornavam para cá e colocavam nomes de empreendimentos que existem nos Estados Unidos”, pontua.

As mulheres brasileiras, de acordo com Sueli, dominaram o mercado da faxina. Os homens passaram a trabalhar em reformas de casas, pintura, construção de muros. “Eles começam a ter esses empreendimentos e vão levando outras pessoas para trabalhar. E, muitas vezes, os próprios empreendedores de lá financiam a ida daqueles que não têm recursos. Algo tipo ‘você vem, trabalha para mim, e eu pago a sua passagem. Você trabalha para mim e me paga aos poucos’, porque ele precisa da mão de obra”, explica a doutora. Com Metrópoles.

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