
A Controladoria-Geral da União (CGU) cita em relatórios que os Correios eliminaram artificialmente um passivo trabalhista bilionário ao reduzir de cerca de R$ 1 bilhão para apenas R$ 18 o valor registrado, com base em uma compensação considerada irregular pelos técnicos do órgão.
Documentos obtidos pela reportagem mostram que a estatal costurou a manobra sem respaldo nas normas contábeis apoiada em cálculos inconsistentes e em controles internos falhos, o que, segundo a CGU, distorceu as demonstrações financeiras da empresa pública, que vive uma das maiores crises financeiras de sua história.
Os passivos citados pelo órgão controlador são referentes a 18 ações coletivas trabalhistas, movidas por sindicatos e empregados contra a estatal, que cobram diferenças salariais acumuladas ao longo de anos, com valores corrigidos e acrescidos de juros. A estatal passou a considerar cada ação trabalhista coletiva pelo valor simbólico de R$ 1.
As ações não têm relação com demissões, mas com o pagamento de adicionais salariais a carteiros, tema que gerou um passivo bilionário após decisões da Justiça do Trabalho favoráveis aos trabalhadores.
Nesse contexto, segundo a CGU, os Correios passaram a sustentar que poderiam compensar os valores cobrados nessas ações com supostos créditos decorrentes de outro processo judicial, no qual a estatal questiona a legalidade de uma portaria que regulamentou o adicional de periculosidade. A compensação, no entanto, foi registrada antes de qualquer decisão definitiva da Justiça, com base apenas na expectativa de êxito futuro.
“Em especial, constatou-se que a prática de compensação entre ações judiciais distintas, adotada pela ECT para justificar a redução de provisão no montante de R$ 1,032 bilhão para R$ 18,00, não se encontra em conformidade com os princípios e as normas contábeis vigentes. Tal procedimento resultou em um registro contábil que não reflete com fidelidade a obrigação presente da entidade, descumprindo os critérios de reconhecimento, mensuração e evidenciação contábil”, cita a CGU.
Crise
Conforme o Metrópoles mostrou, os Correios atingem hoje o ponto mais crítico em mais de uma década, acumulando 13 trimestres consecutivos de prejuízo e encerrando setembro deste ano com um rombo estimado em R$ 6 bilhões.
Técnicos ouvidos pela reportagem apontam que a estratégia adotada pela estatal permitiu reduzir despesas e obrigações apenas no papel, mesmo sem evidências robustas de que não haverá desembolso no futuro.
Ocorre que, segundo a avaliação dos técnicos, caso a Justiça não reconheça o direito à compensação defendida pelos Correios, a estatal poderá ser obrigada a recolocar integralmente o passivo no balanço, com efeitos retroativos, podendo agravar o rombo da estatal.
“As fragilidades na mensuração e a falta de evidências adequadas e suficientes quanto à correspondência entre os empregados considerados na compensação e aqueles na liquidação das ações indicam riscos persistentes de distorção nos valores reportados. A continuidade da análise e a necessidade de uma apuração mais rigorosa são recomendadas para assegurar a integridade e a exatidão das informações financeiras da entidade”, salienta o órgão.
Contábeis
A situação financeira dos Correios exige cautela e, diante desse cenário, técnicos da Controladoria-Geral da União (CGU) recomendaram que a estatal refaça imediatamente, e com máxima urgência, os registros contábeis, além de revisar os cálculos que embasaram a compensação questionada.
A CGU contesta a lógica adotada pela empresa, que passou a registrar em seus relatórios contábeis que cada uma das 18 ações trabalhistas coletivas teria valor simbólico de apenas R$ 1, mesmo sem decisão judicial definitiva. Para os auditores, a prática maquia um possível rombo bilionário que ainda pode se materializar.
A medida ocorre em meio à decisão dos Correios de ampliar a meta do Programa de Demissão Voluntária (PDV) para até 15 mil funcionários. A previsão é de que cerca de 10 mil trabalhadores sejam desligados em 2026 e outros 5 mil em 2027.
Embora o PDV possa resultar, no longo prazo, em uma economia estimada em R$ 1,4 bilhão, o programa gera custos imediatos para a estatal, como o pagamento de indenizações e incentivos financeiros aos empregados que aderirem ao plano. Esses desembolsos iniciais tendem a pressionar o caixa da empresa antes que qualquer redução efetiva de despesas seja alcançada.
Recentemente, o Tesouro Nacional autorizou um empréstimo de até R$ 12 bilhões aos Correios, com prazo de 15 anos para pagamento, além de três anos de carência antes do início da amortização e juros equivalentes a cerca de 115% do CDI (próximo à Selic), abaixo do teto autorizado de 120% do CDI. Caso a estatal não consiga honrar o pagamento, o Tesouro assume a dívida.
O Metrópoles procurou a estatal e até o fechamento desta edição, não houve retorno. O espaço permanece aberto para manifestações.







