Os governos da China e da Índia buscaram reduzir a tensão, mas mantiveram discursos nacionalistas para seu público interno, após o pior conflito entre os dois países em 53 anos.

Na segunda (15), 20 soldados indianos morreram numa escaramuça fronteiriça com chineses no vale do rio Galwan, uma região remota dos Himalaias. Pequim não revelou suas baixas, estimadas em cerca de 50 pela inteligência militar de Nova Déli.

A região faz parte dos 3.488 km de fronteira entre os países, onde a China tem cerca de 340 mil km quadrados de reinvidicações territoriais e pela qual já venceu uma guerra em 1962.

“A Índia não deve julgar mal a situação, e não deve subestimar a determinação firme da China em salvaguardar sua soberania territorial”, afirmou o chanceler Wang Yi.

Ele deu o recado por telefone a seu colega indiano, Subrahmanyam Jaishankar, e ambos mantiveram a posição de que a provocação que levou ao embate foi culpa das tropas adversárias.

“Tanto o lado chinês quando o indiano estão comprometidos em resolver nossas diferenças por meio do diálogo”, disse, em tom mais diplomático, o porta-voz de Wang, Zhao Lijian, se recusando a comentar o número de baixas chinesas no embate.

Já o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, afirmou que seus soldados “não morreram em vão” em um pronunciamento pela TV. Mas manteve a linha morde-e-assopra: “A Índia quer paz, mas é capaz de responder de forma adequada se for instigada”.

Daí a mobilização de tropas junto à fronteira, além de forças navais no Oceano Índico e nas bases aéreas do país.

O tom dos dois países exprime a realidade: ninguém deseja uma guerra entre as duas maiores potências da Ásia, ambos Estados com armas nucleares e os países mais populosos do mundo —juntos, somam 35% dos 7,8 bilhões de terráqueos.

Por outro lado, pressões nacionalistas em ambas as nações tenderão a manter o risco de um conflito, ainda que limitado.

No caso da ditadura comunista de Pequim, isso se refletiu já na própria terça (16), quando emergiam os detalhes bizarros da briga envolvendo talvez 600 militares que se enfrentaram com paus, pedras e barras de ferro —um cuidado para evitar escalada militar entre quem tem a bomba atômica que soa surreal.

Os chineses divulgaram no mesmo dia a realização recente de cinco treinos de artilharia com munição real, envolvendo aviões e comunicação eletrônica, num platô de 4.700 metros de altitude no Tibete.

O recado é claro: a cerca de 1.000 km da fronteira disputada, num terreno com dificuldades semelhantes, Pequim exercitou suas capacidades militares.

Segundo observadores, isso reflete a postura mais assertiva do regime liderado por Xi Jinping. Ela é visível nos editoriais belicosos de jornais oficiais chineses, muitos pedindo a anexação de Taiwan ou o aperto do controle sobre Hong Kong —algo que já aconteceu por meio de uma nova lei de segurança nacional.

Isso ocorre para galvanizar o público interno enquanto a China vive sua Guerra Fria 2.0 com os Estados Unidos, que lançaram uma disputa comercial e geopolítica de grande escala contra Pequim quando Donald Trump assumiu a Presidência, em 2017.

Já entre os indianos, aliados dos Estados Unidos, o governo ultranacionalista hindu de Modi tem nas escaramuças fronteiriças um instrumento com o mesmo fim.

Até por ser uma democracia herdeira de uma colcha de retalho de potentados regionais, isso para não falar nas rixas entre hindus, muçulmanos e sikhs que compõem a nação, em especial sob Modi, a Índia tem várias fraturas internas.

Ameaças externas sempre ajudam a unificar o país, embora fracassos sejam cobrados nas urnas. A experiência indiana em seu conflito com o irmão siamês Paquistão, ambos os países resultado da partilha da Índia Britânica em 1947, mostra ambas as facetas com clareza.

Houve protestos contra a China em vários pontos do território indiano, com queima de fotos de Xi. Já na China, a TV estatal CCTV nem citou o conflito no seu noticiário da noite de terça (16).

Isso dito, uma guerra total entre os países é altamente improvável. O porta-voz Zhao resumiu a situação: “Sendo os dois maiores países em desenvovimento, nós temos muito mais interesses comuns do que diferenças”.

O que não quer dizer que acidentes não possam acontecer, como o de segunda. O último embate de tal magnitude havia ocorrido em 1967, e as últimas mortes, registradas numa emboscada isolada chinesa que matou quatro soldados indianos, em 1975.

A região em disputa é ideal para conflitos limitados, pelas dificuldades de acesso ao terreno, que obrigam aclimatação das tropas à alta altitude e ao frio, e às limitações ao uso de aviação.

Mano a mano, a China é uma potência militar mais forte do que a Índia. Pequim gastou US$ 181 bilhões com defesa em 2019 (cerca de R$ 940 bilhões hoje, 2° lugar do mundo), ante US$ 60,5 bilhões (R$ 314 bilhões, 5° lugar) de Nova Déli.

São Forças Armadas enormes, 2 milhões de chineses e 1,45 milhão de indianos, mas geograficamente o movimento de tropas é bastante limitado.

Aí fala mais alto a capacidade aérea e na área de mísseis balísticos, na qual a situação é um pouco mais equilibrada. Por fim, o impensável: a China tem 320 ogivas nucleares e a Índia, 150.

Economicamente, a disparidade é bastante maior. O PIB chinês, de US$ 14 trilhões (R$ 73 trilhões), foi cinco vezes maior do que o indiano em 2019, com populações equivalentes de lado a lado. (Folha de S.Paulo)

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