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O caso de uma jovem de cerca de 20 anos que foi internada em estado grave, em São Paulo, depois de sofrer um edema cerebral tem viralizado nas redes sociais. A paciente não tinha doenças prévias, e o problema aconteceu menos de um dia depois de ela ter colocado um “chip da beleza” – implante que promete emagrecimento e ganho de massa muscular, mas não é permitido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) nem tem aval da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O relato foi divulgado como um alerta pelo médico especialista em ginecologia endócrina, Marcelo Luis Steiner. Na publicação em seu perfil no Instagram, ele diz que “menos de 24h depois (da colocação do chip), (a paciente) apresentou redução grave dos níveis de sódio, edema cerebral difuso, convulsões generalizadas e provável dano cerebral permanente”.

Na descrição do implante, estão substâncias como a testosterona e a gestrinona, que não devem ser utilizadas com fins estéticos, segundo as autoridades de saúde brasileiras. A gestrinona é uma forma sintética do hormônio testosterona, ou seja, faz parte da classe de esteroides androgênicos e anabolizantes (EAA) – que foram alvo do CFM em abril.

Em uma nova resolução, o Conselho proibiu a indicação das substâncias consideradas EAA (os famosos anabolizantes) com finalidade estética, como no “chip da beleza”, ou de ganho de performance. A decisão também veta a propaganda dos esteroides e cursos que impulsionam a prescrição no país.

— Nós estamos observando no Brasil um aumento exponencial da prescrição de esteroides androgênicos e anabolizantes para fins estéticos, de ganho de massa muscular e de melhoria de desempenho esportivo – inclusive entre mulheres. Os especialistas foram unânimes em afirmar que os benefícios da utilização dessas medicações para esses fins não superam os riscos. Não existe dose mínima segura, como alguns usuários alegam. Por isso, estamos proibindo essa prática — afirmou José Hiran Gallo, presidente do Conselho, na época.

As substâncias são importantes, mas somente em casos em que de fato há a necessidade e indicação médica adequada, explicou o presidente do Departamento de Endocrinologia do Exercício e do Esporte da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Clayton Macedo:

— Elas são utilizadas para indivíduos que têm deficiência da testosterona, como homens com hipogonadismo, ou para incongruência de gênero, no caso de hormonioterapia para homens trans. Essas são as duas grandes indicações hoje, para quem tem falta do hormônio, mas isso precisa ser comprovado e impactar o quadro clínico.

O texto do CFM confirma que passam a ser permitidas as indicações apenas “em caso de deficiência específica comprovada, de acordo com a existência de nexo causal entre a deficiência e o quadro clínico ou de deficiências diagnosticadas cuja reposição mostra evidências de benefícios cientificamente comprovados”.

Apesar do alerta de especialistas para que o uso dos EAA seja feito apenas nos casos indicados, a busca por “chips da beleza”, “bombas”, oxandrolona e outros anabolizantes com fins estéticos tem se tornado inclusive a maioria das prescrições de substâncias do tipo, apontou Marcelo Bichels Leitão, cardiologista e diretor científico da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte (SBME).

— O mercado cresceu muito. Existem muitos médicos que fazem prescrições inapropriadas, e existe um mercado clandestino muito grande, nas próprias academias, na internet, você vê pessoas vendendo e uma facilidade muito grande no acesso. E os impactos, sejam estéticos ou de ganho de performance, são transitórios e levam a uma série de efeitos colaterais graves — diz o especialista.

Quais os principais riscos dos anabolizantes?

As consequências das substâncias estendem-se a diversos mecanismos diferentes do corpo humano, desde uma masculinização indesejável entre as mulheres, até maior risco para problemas cardíacos e infertilidade entre os homens. Além disso, há os impactos psíquicos, como os vivenciados por Paula, que podem levar a alterações bruscas de comportamento.

— O hormônio é o da fuga, da força, então pode aumentar a agressividade dos indivíduos, e inclusive a probabilidade de tomar uma atitude criminosa. Nosso cérebro é rico em receptores da testosterona, e isso altera o comportamento, dá um grau de irritabilidade. Existe um trabalho dinamarquês que acompanhou durante 12 anos usuários de esteroides e, no final, mais de 20% tinham sido presos por algum crimes não relacionado a fatores socioeconômicos — disse o especialista da SBEM.

Macedo cita um trabalho publicado em 2019 na revista científica Drug and Alcohol Dependence que mostrou um risco nove vezes maior de condenação por um crime entre os usuários dos EAA em comparação com um grupo de controle.

Os efeitos colaterais também são principalmente cardíacos, com um risco aumentado de embolia com trombose, arritmia e de mortalidade no geral. Macedo, que coordena o ambulatório de Endocrinologia do Exercício da Unifesp, serviço de referência para pacientes com sequelas de anabolizantes, conta que recebe muitos pacientes jovens, de 30 a 40 anos, com problemas cardiovasculares graves, como infarto do miocárdio.

Muitas vezes, os indivíduos utilizam doses até 100 vezes o indicado para pessoas com deficiência do hormônio, e as combinam com outras drogas que prometem reduzir os efeitos colaterais – o que também é perigoso.

— Na hora que você está utilizando uma outra medicação ela pode até impedir algumas consequências físicas, mas não vai impedir danos no fígado ou no coração. E o anabolizante aumenta a parede do órgão, o que leva a problemas sérios — explicou Andréa Fioretti, endocrinologista e uma das coordenadoras do ambulatório da Unifesp.

Nas mulheres, alguns efeitos mais visíveis observados são a alteração na voz, aumento do clitóris, de pelo, queda de cabelo, irregularidade menstrual, entre outros decorrentes da característica masculinizante do EAA. Além disso, em ambos os sexos pode levar a hepatites, que são inflamações no fígado.

Anabolizantes podem causar perda de libido e infertilidade nos homens?

Outro problema de saúde consequente das drogas que tem chegado com certa frequência nos consultórios são quadros de disfunção na produção natural da testosterona por homens que fazem uso dos esteroides, o que leva à infertilidade e falta de libido.

— Os esteroides acabam inibindo o testícul porque existe uma fisiologia no corpo humano que é muito inteligente, quando você tem uma glândula que produz um certo hormônio, mas você já está tomando esse hormônio de fora, essa glândula fica inibida como uma defesa do organismo para não ter um excesso de produção. Só que isso pode atrofiar o testículo e impedir a produção natural depois — disse Andréa.

Ela acrescenta que é importante estar atento aos riscos pois o uso a longo prazo pode inclusive causar um quadro de dependência, intensificando os riscos.

— O cérebro passa a ter uma uma alteração que diminui o córtex e aumenta uma área que geralmente está aumentada em usuários de outras drogas. Então antes nós imaginávamos que o usuário mantinha o vício porque ele tinha uma distorção de autoimagem, mas hoje sabemos que não é só isso — afirmou a endocrinologista.

Com informações de: O Globo

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