Quando Rafael começou a trabalhar de carteira assinada, em 2010, ele já tinha sua grande barba branca. Era um homem alto, de barriga saliente, rosto arredondado e vestia uma sobrecapa vermelha, abotoada de cima a baixo, parecendo um super-herói.

Fantasiado assim, por onde Rafael passava, não importando a época do ano, se dezembro ou junho, todos o chamavam de “Papai Noel”, e para evitar algum equívoco ou frustrar alguma criança, ele sempre carregava consigo algum presente.

Tudo começou na sala de aula quando uma professora perguntou o que ele queria ser, ou seja, qual a profissão que ele queria seguir. Rafael não pensou duas vezes e respondeu em alto e bom som: — “Quero ser professor”.

A professora olhando-o de cima a baixo, respondeu-lhe: — “Tu darias um ótimo Papai Noel”. E todos riram as gargalhadas.

Na aula seguinte, a professora pediu-lhe desculpas pela má educação dos colegas, dizendo: — “Rafael, feliz aquele que sabe o que quer ser desde pequeno, porque não vai ficar perdendo tempo na vida”. — “Gratidão pela orientação vocacional professora”, respondeu Rafael.

O tempo passou e Rafael se profissionalizou. Um dia, ele estava trabalhando num grande shopping da cidade quando a sua antiga professora veio em sua direção e lhe disse: — “Que papai Noel mais familiar, parece um antigo aluno meu”. — “Sim, a senhora tem razão, eu fui seu aluno”, respondeu Rafael. — “Eu sabia, uma professora é como uma boa mãe, nunca esquece nenhum dos seus alunos”.

Como estava no fim do expediente – o shopping já estava fechando – Rafael aproveitou o tempo para conversar com a sua ex-professora. Ela lhe contou que já estava aposentada e que agora o maior prazer da sua vida era levar os netos para passear.

— “Eu sempre trago as crianças nesse shopping, mas é a primeira vez que eu estou lhe vendo aqui”, disse a professora. — “Isso mesmo, eu sou novato aqui! Quem trabalhava aqui como Papai Noel neste shopping era a minha amiga Angélica. Ela sofreu um acidente de trabalho e eu assumi o lugar dela”, explicou Rafael. — “Desejo melhoras para ela!”, disse a professora.

Os dois saíram caminhando rumo ao estacionamento, porém, antes de chegarem à porta de saída do shopping, a professora lhe disse:

— “Então Rafael, todo ano, em dezembro, eu faço doações de brinquedos para as crianças carentes dos bairros periféricos de Manaus e este ano eu gostaria de contar com a sua ajuda para distribuir esses brinquedos, é possível?”. — “Será um prazer, professora!”. — “Quanto custa o seu cache?”. — “Nada disso, a senhora não vai me pagar nada”, respondeu Rafael. — “Eu faço questão de pagar”, insistiu a professora. — “Eu que tenho que lhe pagar pelos conselhos que a senhora me deu naquele tempo”, respondeu Rafael.

E Rafael continuou a falar, dessa vez com lágrimas nos olhos… — “Se não fosse à senhora eu não estaria nessa profissão, professora! Foi à senhora que me salvou!”. — “Eu não filho, foi a sua dedicação, seu empenho, o seu esforço; você sempre foi um garoto diferenciado, estudioso e respeitoso com todos; enfim, só poderia se tornar este homem bonito, feliz e realizado que eu estou vendo”, disse a professora.

Rafael agradeceu as palavras da professora com um abraço, dizendo-lhe: — “Obrigado por tudo, pela paciência, por me aturar durante aqueles anos. Eu sei que eu não era fácil! Mais a senhora tem razão, uma professora é como uma boa mãe e a senhora foi para mim uma mãe que eu nunca tive”.

Enquanto Rafael falava a professora revia como num filme tudo o que aquele garoto passara e que como ele tinha se transformando num homem bom e verdadeiro, ela sorriu e retribuiu o abraço, também com lágrimas nos olhos.

Depois de refeitos das emoções daquele reencontro, a professora disse: — “Tá aqui o local, o dia e a hora da entrega dos presentes”, entregando-lhe um envelope com cinco notas de sem reais e o endereço da comunidade onde seriam distribuídos os briguentos de Natal.
Uma semana depois…

— “Ho ho ho, o Papai Noel chegou”. “Ho ho ho, o Papai Noel chegou”, anunciava Rafael de cima de uma caminhonete abarrotada de brinquedos e era seguido por centenas de crianças carentes.
Vendo aquela cena, a professora disse em alto e bom som: — “Um homem que anda com roupa de Papai Noel em Manaus, dispõe, necessariamente, de grande força espiritual”.

Luís Lemos é professor, filósofo e escritor, autor, entre outras obras de: “Filhos da quarentena” e “Amores que transformam”.

Instagram:@luislemosescritor

 

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