
A Defensoria Pública do Estado do Amazonas, em parceria com o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto (IEARP/USP), realizou nesta semana uma série de atividades para embasar cientificamente a criação de políticas públicas voltadas para comunidades sem segurança fundiária, no âmbito do projeto “Cinturão Verde”.
Nesta terça-feira (11), pesquisadores, comunitários e defensores participaram de discussões no “III Seminário Crime, Saúde e Clima da Amazônia” e no “I Seminário Amazonense de Processos Estruturais e Defensoria Pública”, realizados na reitoria da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), em Manaus.
Pela manhã, comunitários da Região Metropolitana da capital tiveram protagonismo nas discussões, expondo suas realidades e fazendo sugestões aos acadêmicos. À tarde, pesquisadores e defensores debateram sobre as temáticas centrais do evento.
O Defensor Público Geral do Amazonas, Rafael Barbosa, destacou que o importante para a DPE-AM “é poder conciliar a teoria com a prática e fazer com que todo o conhecimento que a academia produz possa dialogar com o conhecimento que a cultura e a atividade do dia a dia produzem”. “E, juntando esses dois nichos produtores de conhecimento, oferecer uma política pública que possa trazer benefícios para a população amazonense, em especial a população rural”, disse.
“O que a Defensoria do Amazonas busca é colocar todos esses parceiros numa mesa para que o diálogo ocorra e os resultados apareçam. Dessa forma, o ‘Cinturão Verde’ não deixa de ser uma tentativa de unir vários setores que produzem conhecimento, para que esse conhecimento possa resultar em ganhos pela população da Amazônia”, destacou Rafael Barbosa.
A ideia do projeto “Cinturão Verde” da DPE-AM é promover o desenvolvimento sustentável no entorno da capital amazonense, garantindo que as comunidades rurais tenham seus direitos à terra respeitados e que a natureza seja preservada.
Visita ao Ramal da Morena
Entre domingo (9) e segunda-feira (10), foi realizado levantamento de campo, quando o grupo visitou várias comunidades do Ramal da Morena, no distrito de Balbina, em Presidente Figueredo. A equipe, também acompanhada de pesquisadores internacionais da University of Pennsylvania (UPENN), da Carnegie Mellon University e da London School of Economics (LSE), realizou um levantamento sobre as necessidades e estilo de vida da população local.
A visita, guiada pela moradora do local e líder comunitária Caroline Monteiro, foi uma espécie de imersão para os estudiosos que puderam ver o dia a dia das comunidades do Ramal localizado bem ao lado da barragem da Hidrelétrica de Balbina e, que entre uma série de problemas sociais, sofrem as consequências ambientais e estruturais causadas pelo mal planejamento da barragem. Instabilidade na distribuição de energia elétrica, contestantes alagações ao longo da estrada, impedindo o escoamento de mercadoria e transporte dos comunitários são apenas algumas das dificuldades relatadas pelos moradores.
O Ramal da Morena tem um grande potencial para produção de café, guaraná e outros insumos que podem ser grandes atrativos econômicos, mas aos poucos, as famílias acabaram abandonando algumas produções, como a do café, por falta de incentivo.
“Hoje, nós estamos com o projeto de produção do café, do guaraná e a gente tenta buscar formas para que essas famílias permaneçam aqui, para que os filhos dessas famílias que foram em busca de estudo, em busca de emprego lá fora retornem para cá com projetos para que a gente possa viver do que produzimos aqui” refletiu Doralice Oliveira, presidente da Associação dos Produtores de Café do Ramal da Morena.
“Eram muitas famílias no início. Eram cerca de 20, 30 famílias, em todo o Ramal da Morena. Mas, quando alguns deles viram que era mais um trabalho, de dedicação, muitos deles desistiram. Hoje, são apenas duas. As dificuldades que eles enfrentam são os adubos, que são muito caros. A outra dificuldade é o solo, que é muito ácido e precisa de mais cuidados especiais”, relatou o padre Israel Juárez, que, por meio da Cáritas de Manaus, foi o responsável por levar a cultura do café para as comunidades.
Um dos participantes das discussões, o professor Robert Cavalier, da Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos, destacou a importância de ir a campo para fundamentar as teorias acadêmicas. “A teoria pode guiar a prática, mas ela realmente precisa ser ter uma base a partir do que é visto em campo. E, então, ao ouvir as pessoas, fomos capazes de ver similaridades com o que acontece em vários bairros em Pittsburgh (cidade no estado da Pennsylvania), onde as pessoas tinham problemas, mas não tinham uma maneira coerente de articulá-los e se unirem contra eles”, disse.
“As várias vilas e comunidades que visitamos, as pessoas que visitamos, eram o que esperávamos. Essa ‘democracia deliberativa’ respeita a inteligência das pessoas, respeita sua sabedoria prática. Elas são especialistas em suas próprias vidas e nós encontramos isso aqui. Agora, o que você precisa ter é um caminho para esse conhecimento prático, para ele se unir de tal forma que possa ser articulado em um conjunto de pesquisas que reflitam em algum detalhe as opiniões informadas da comunidade e suas prioridades”, acrescentou o professor.
Coordenadora do IEARP/USP, a professora Carla Ventura ressaltou que é importante entender a dinâmica das vidas das pessoas para assim, juntamente com a comunidade, trabalhar para a fazer a diferença na realidade local. “Esse é o nosso objetivo, de forma uma geral, nessa parceria da Defensoria com o instituto, especialmente com o nosso Grupo de Pesquisa em Criminologia Experimental e Segurança Pública, liderado pelos professores Eduardo Saad-Diniz e Ruth Estêvão”, observou.
“Nós entendemos que essa discussão deve ser feita de forma estrutural. Daí a importância da discussão adequada em processo estrutural. E isso tem que observar primeiro o conhecimento de base. Então, ouvir a população, ouvir o destinatário é o primeiro passo. E a Defensoria Pública está fazendo isso em parceria com a academia”, disse o defensor público Carlos Almeida Filho, titular da Defensoria Especializada em Interesses Coletivos (DPEIC).
O levantamento feito com a coleta de depoimentos orais, reunião de dados oficiais e discussões sobre o tema terá como resultado um paper científico, que servirá como base para a criação de alternativas reais para populações que vivem em insegurança fundiária, como as que vivem no Ramal da Morena e outras comunidades no Amazonas.
“A pesquisa científica nos permite desenhar soluções que nós queremos apresentar diretamente ao poder público, de forma consensual, na construção de consenso, se possível, ou, se for o caso, através da estruturação de procedimentos, ainda que judiciais e estruturais”, concluiu o defensor.
Sobre o processo estrutural
O processo estrutural ou estruturante é uma ferramenta jurídica para lidar com conflitos coletivos e abrangentes ou violações contínuas de direitos por meio de medidas mais organizadas e consensuais, como a criação de planos a longo prazo.
É usado quando políticas públicas ou privadas são insuficientes para assegurar determinados direitos. Nesses casos, a discussão é transferida para o âmbito judicial, que usa técnicas de cooperação e negociação para construir uma solução efetiva para o problema.
O que é cinturão verde
Os cinturões verdes são áreas de vegetação que contornam cidades, a fim de conter o avanço da ocupação urbana sobre áreas de produção agrícola, áreas florestadas, mananciais de água e ecossistemas de interesse para fins de preservação ambiental.
Os cinturões são importantes para a manutenção da qualidade de vida nos centros grandes centros urbanos, uma vez que as áreas verdes resultam em melhorias na qualidade do ar, possibilitando a criação de áreas de lazer, como parques, e, ainda, implantação de áreas de produções agrícolas.