Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, na noite desta terça-feira, que pediria ao Fundo Monetário Internacional (FMI) que tirasse “a faca do pescoço da Argentina”, estava enviando um recado à instituição, mas, também, ao diretor do Brasil — e de outros nove países que o elegeram em 2022 — no Fundo, Afonso Bevilaqua, cujo mandato vence no final do ano que vem.
Segundo afirmaram ao GLOBO fontes que participaram do encontro, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, se queixou pela falta de apoio por parte do diretor brasileiro a seu país.
Bevilaqua foi eleito no segundo semestre do ano passado, com o respaldo do governo de Jair Bolsonaro, e seu mandato dura dois anos. Mesmo que quisesse, o presidente Lula não poderia afastá-lo do posto que ocupa na diretoria do FMI, composto por 24 cadeiras. O diretor brasileiro representa, além do Brasil, um grupo de nove países que o elegeu em 2022, entre eles Panamá e Equador.
As mesmas fontes afirmaram que o governo argentino reclamou da dureza do FMI na renegociação de um acordo selado no governo do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), que busca, essencialmente, rolar os vencimentos de um empréstimo de US$ 44 bilhões, o maior crédito já concedido na História do organismo.
Na mesma conversa, acrescentam as fontes, o chefe de Estado argentino se referiu ao que considera uma falta de respaldo de Bevilaqua dentro do Fundo.
O governo Lula, ampliou a fonte, buscará maneiras de ajudar a Argentina no FMI. Cogita-se o envolvimento direto do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que poderia se comunicar com a equipe negociadora do acordo com a Argentina nas próximas semanas, além de com o diretor brasileiro.
‘Não tem milagre’
Bevilaqua já participou de reuniões com o ministro da Economia argentino, Sergio Massa, em Washington, por exemplo, em setembro do ano passado. Naquele momento, também esteve no encontro o então ministro da Economia brasileiro, Paulo Guedes.
Na visão de Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial e membro sênior do Policy Center for the New South, “não faz sentido o Brasil se envolver desta maneira na negociação da Argentina”.
— Não tem milagre, nem Lula, que poderá resolver a situação da Argentina. O país deve evitar o calote com o FMI — diz Canuto.
Para o ex-vice-presidente do Banco Mundial, “o presidente Lula não tem poder para modificar a situação” do país vizinho. O presidente brasileiro, acrescentou Canuto, tampouco poderia tirar Bevilaqua da diretoria do FMI.
— O que um governo pode fazer é dar sinais ao organismo em questão de que seu representante não está alinhado com as posições do país, já vi isso acontecer. Mas tirar um diretor eleito e cumprindo seu mandato, isso não pode — frisa o economista.
A reunião entre Lula e Fernández deixou clara a preocupação do governo brasileiro com a delicada situação econômica e financeira do país vizinho. Fontes brasileiras reconheceram que ninguém deseja o naufrágio da Argentina, e que toda a ajuda que puder ser dada será dada.
A visão do Palácio do Planalto — que Lula defenderá com mais ênfase a partir de agora — é que os problemas da Argentina também são robles do Brasil, porque, se a Argentina mergulhar numa crise mais crítica, essa crise vai respingar no Brasil. Por outro lado, opinaram fontes do governo brasileiro, o mercado argentino é importante para os industriais brasileiros, e serão buscados caminhos para preservar esse mercado.