O encarecimento de commodities agrícolas, como soja e milho, deve continuar pressionando os custos no atacado. Como consequência, a tendência é que os preços mais elevados ao produtor continuem pesando no varejo e encareçam a alimentação, o que penaliza mais as famílias mais pobres do País, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV).

Nesse cenário, mesmo que a cotação de alguns produtos em dólar arrefeça, ainda é possível que a desvalorização do real impeça um alívio acentuado nos preços agrícolas, avaliou André Braz, coordenador dos Índices de Preços do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV).

“Essas pressões de commodities não vão arrefecer rápido. Esse deve ser o tom do mês de setembro. Soja e milho, que são as grandes commodities que contribuíram para o resultado, começam a inverter essas cotações em dólar, mas isso ainda pode ser compensado por uma depreciação do real”, disse Braz. “Lá para outubro e novembro, o IGP vai continuar pressionado, mas talvez com ritmo de alta menor. Mas existe muita volatilidade ainda, fico inseguro de cravar que vai desacelerar. Prefiro dizer que vai continuar pressionado até o final de 2020, pela cotação da taxa de câmbio atual e pelos preços que esses grãos já conquistaram em bolsas internacionais”, completou.

O Índice Geral de Preços – 10 (IGP-10) avançou 4,34% em setembro, depois de uma alta de 2,53% em agosto, informou na última quarta-feira, 16, a FGV. O índice é composto pela aferição de preços no atacado, varejo e construção civil.

Impulsionado pela elevação de preços do minério, soja e milho, a inflação no atacado, medida pelo Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA-10), subiu 5,99% em setembro, ante uma elevação de 3,38% em agosto. Tanto o IGP-10 quanto o IPA-10 tiveram as maiores taxas desde 2002.

O IGP-10 acumulado em 12 meses alcançou 17,03% em setembro, a taxa mais elevada desde outubro de 2003. O IPA-10 teve um aumento de 25,74% em 12 meses, maior patamar também desde 2003.

Dólar

“A renovação dos patamares pressionados do dólar no último mês e a continuidade do processo de recuperação dos preços das commodities no mercado global devem continuar pressionando o índice”, estimam os analistas Marcio Milan e Giovanna Rapis, da Tendências Consultoria Integrada.

A cotação média do dólar em agosto deste ano foi 36% mais elevada que a de agosto do ano passado. A valorização da moeda americana torna essas commodities mais caras em reais, além de diminuir a oferta também de algumas delas no mercado doméstico, uma vez que fica mais interessante ao produtor exportar o que conseguiu cultivar no campo. Apenas nos últimos 30 dias, a cotação do milho em dólar subiu 12,6%, enquanto a soja aumentou 8,5%.

“Isso é preço em dólar. Quando a gente vê no IPA, esses produtos incorporam também a variação cambial”, lembrou Braz. “Isso chega ao varejo sim. O óleo de soja subiu 41,2% em 12 meses”, apontou.

Os grãos mais caros aumentam também o custo da proteína animal. A carne suína subiu 19,7% em 12 meses, enquanto a carne bovina encareceu 29,7%.

“Olhando para a sazonalidade, várias culturas têm alta de preços no quarto trimestre. Por esse movimento, será difícil observar uma devolução de preços de alimentos até o fim do ano. Pode perder um pouco de força, mas deve permanecer em alta”, previu o economista Fábio Romão, da LCA Consultores.

Renda

Com os aumentos na alimentação, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC-10) subiu 0,46% em setembro, após o avanço de 0,48% em agosto. Os alimentos para consumo no domicílio ficaram 10,3% mais caros em 12 meses, quase quatro vezes mais elevada que a inflação ao consumidor do período, de 2,58%.

“O peso dos alimentos na cesta de consumo das famílias mais pobres é muito grande. Sempre que sobem os preços dos alimentos, os mais pobres vão ter que destinar mais dinheiro do orçamento para a alimentação, então vai sobrar menos para eles comprarem todas as outras coisas”, explicou Maria Andreia Lameiras, técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Na inflação ao consumidor medida pelo IPC-10, que inclui todas as faixas de renda, os alimentos respondem por 20% da cesta de consumo. Nesse momento de crise, os demais 80% dos produtos estão caindo ou estáveis, servindo como âncora para a inflação no varejo. Bens de consumo duráveis, serviços livres e preços administrados pelo governo têm ajudado a conter o IPC.

“Quem percebe a inflação alta são os mais pobres, porque a cesta de consumo é muito intensa em alimentos. A classe mais alta percebe menos, porque está com desconto nas mensalidades escolares, não está gastando com show, passeio, está sobrando até para poupar dinheiro. Pobre não tem despesa com passagem aérea e gasolina”, justificou Braz.

O economista da LCA, Fabio Romão, espera que os mesmos itens que estão contendo a inflação ao consumidor este ano acabem por acelerar em 2021 o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Além dos aumentos represados ou postergados em itens administrados, como a taxa de água e esgoto e energia elétrica, devem chegar ao consumidor os aumentos de custos que vêm sendo represados pelos estabelecimentos de serviços e comércio varejista em meio à recuperação da demanda que vem deprimida pela pandemia do novo coronavirus.

“Uma parte importante da perda da atividade econômica deste ano vai ser recomposta no ano que vem”, concluiu Romão. (Estadão)

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