Nesta terça-feira, um novo estudo de pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) e das organizações Greenpeace, Iepé, Instituto Socioambiental e WWF-Brasil mostrou que peixes em seis estados brasileiros na Amazônia têm uma concentração de mercúrio em média 21,3% acima do teor permitido, de 0,5 micrograma do metal por grama do alimento.
O consumo de mercúrio acima do ideal foi identificado no Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. Neste último, foi encontrado o pior cenário: 40% dos peixes avaliados tinham teores altos do metal, que chegaram a ultrapassar em até 27,2 microgramas o limite. O trabalho foi conduzido entre março de 2021 e setembro de 2022, e foram analisadas amostras de pouco mais de mil peixes em 17 municípios.
Os pesquisadores atribuem a poluição com mercúrio ao garimpo ilegal na região, que tem o hábito de utilizar o metal para separar o ouro dos demais sedimentos. No entanto, ele é jogado nos rios após o uso, onde se dissemina pelas águas, chega aos animais e, por fim, à população por meio da ingestão dos peixes contaminados.
A prática não é inofensiva e acende um alerta de autoridades de saúde. Isso porque, ao entrar no organismo, o mercúrio é absorvido no trato gastrointestinal e chega à corrente sanguínea, onde se espalha para os órgãos do corpo e pode provocar diversas lesões.
A toxicidade da substância já foi associada a uma gama de doenças, como diagnósticos autoimunes, casos de câncer, malformações congênitas, doenças cardiovasculares, entre uma série de outros problemas.
Mas, por acumular-se principalmente no sistema nervoso central, o metal é mais diretamente associado ao desenvolvimento de problemas cognitivos, motores, deficiência intelectual, depressão, retardo na fala e outros diagnósticos neurológicos graves.
Os riscos são ainda maiores entre a população infantil, que tem um sistema imunológico em desenvolvimento e costuma sofrer mais com as sequelas decorrentes da contaminação.
“Estamos diante de um problema de saúde pública. Sabemos que a contaminação é mais grave para as mulheres grávidas, já que o feto pode sofrer distúrbios neurológicos, danos aos rins e ao sistema cardiovascular. Já as crianças podem apresentar dificuldades motoras e cognitivas, incluindo problemas na fala e no processo de aprendizagem. De forma geral, os efeitos são perigosos, muitas vezes irreversíveis, os sintomas podem aparecer após meses ou anos seguidos de exposição”, alerta Paulo Basta, pesquisador da Ensp/Fiocruz que participou do estudo, em nota.
Por isso, o cenário da contaminação tem sido alvo de pesquisadores há anos, que monitoram os níveis de mercúrio na região e pedem medidas para evitar o avanço do garimpo. Em 2019, um estudo também de pesquisadores da Ensp/Fiocruz constatou uma contaminação de 56% das mulheres e crianças ianomâmi na região de Maturacá, no Amazonas, com o metal.
Três anos antes, outro trabalho conduzido pela mesma equipe, na comunidade Yanomami da região de Waikás, em Roraima, chegou a identificar a contaminação em mais de 90% dos indígenas examinados. A comunidade fica à beira do Rio Uraricoera, um dos mais atingidos pela prática extrativista ilegal.
As populações indígenas são as mais afetadas já que uma das principais fontes de alimentação dos povos na região é a pesca. No ano passado, a Fiocruz avaliou os pescados de quatro pontos na Bacia do Rio Branco, em Roraima, e constatou que, para algumas espécies, “a contaminação já é tão alta que praticamente não existe mais nível seguro para o seu consumo, independente da quantidade ingerida”.
No rio Uraricoera, ponto mais próximo à Terra Indígena Yanomami (TIY), a cada 10 peixes, seis apresentaram níveis de mercúrio acima dos limites. Em comunicado na época, os pesquisadores reforçaram que os problemas decorrentes dessa contaminação podem começar ainda na gravidez.
“Se os níveis de contaminação forem muito elevados, pode haver abortamentos ou o diagnóstico de paralisia cerebral, deformidades e malformação congênita. Os menores também podem desenvolver limitações na fala e na mobilidade. Na maioria das vezes, as lesões são irreversíveis, provocando impactos na vida adulta”, afirmaram.
Também de 2022, uma análise da Polícia Federal sobre o mercúrio na TIY mostrou que quatros rios da região, entre eles o Uraricoera, têm níveis até 8.600% superiores ao estipulado como máximo de contaminação para água de consumo humano. O índice foi constatado após dados do Mapbiomas mostrarem que o garimpo ilegal cresceu 3.350% de 2016 a 2020 na região.
Com informações de: O Globo