
Joilson Souza
Era sempre assim: a casa cheirava a café coado na hora e o miolo de cabana frita, raspa do mingau que nos finais de tarde fazia com prazer.. Dona Elza estava ali, com seu vestido florido, sorriso pronto para desfazer qualquer tristeza que eu trouxesse da rua. “Para tudo existe jeito, jó”, ela dizia, enquanto me encharcava de conselhos que, na época, eu fingia não escutar. Hoje, porém, daria qualquer coisa para ouvi-los de novo, mesmo os mais repetidos. Quem me dera ter gravado cada sílaba, cada riso, cada “cuida dessa vida” sussurrado com a urgência de quem sabia que o tempo é um ladrão.
Os dias eram longos naquela época, ou pelo menos é assim que a memória insiste em pintá-los. Ela esperava sentada no sofá, olhos fixos na porta, como se vigiasse o horizonte em busca de notícias de João, Júlio,eu, Hamilton,Julielza, Joelma e naldo. Às vezes, eu reclamava: “Mãe, não sou mais criança, pode parar de ficar me esperando!”. Ela ria, balançava a cabeça e retrucava: “Enquanto eu respirar, vou esperar”. Não imaginava que um dia o sofá da sala ficaria vazia, o café esfriaria sozinho na xícara, e eu me perderia no silêncio da casa que, sem ela, parece um corpo sem alma.
Há detalhes que só a falta revela. O modo como ela arrumava as sala, o quarto, como guardava recortes de jornal com receitas que nunca faria, ou o jeito de chamar meu nome duas vezes quando estava brava: “ seu João… João!”. Eu respondia : – oi dona Maria. Hoje, até suas broncas me fariam sorrir. As paredes ainda guardam ecos dessas vozes, mas quando tento escutá-las, só encontro o vazio que ela deixou, um buraco feito de ausências miúdas: o cheiro do seu perfume, o barulho das panelas ao amanhecer, o hábito de esconder uma manga na gaveta… E dizer: Quer manga !
Dizem que o luto é o preço do amor, mas ninguém avisa que ele vem em gotas, não em ondas. É um susto ao encontrar seu retrato pendurado na parede, intacto, como um relicário. É o impulso de ligar para contar uma novidade e lembrar, no último dígito, que não há ninguém do outro lado. É a dor de saber que o mundo seguiu, indiferente, mesmo depois que ela se foi.
A saudade de Dona Elza é um peso que carrego no peito, mas também uma espécie de gratidão. Porque, mesmo calada, ela ainda me dá conselhos: nas fotos desbotadas, no hábito de olhar para o céu antes de dormir e sussurrar um “boa noite” que, espero, atravesse as estrelas.
O tempo voa, sim. E ele levou ela. Mas não levou o amor, esse, coitado, o tempo não sabe como matar. Fica aqui, entranhado em cada canto, lembrando que, enquanto eu respirar, vou esperar. Como ela esperava. Até que um dia, quem sabe, a gente se encontre de novo no sofá de algum lugar, com o café quentinho, um vatapá, ou um mingau de banana e muitas histórias para relembrar.