Indígena Kokama cumpriu parte da pena em cela masculina na delegacia de Santo Antônio do Içá (AM) e denunciou abusos sexuais cometidos por policiais

A Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) encaminhou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva um pedido de indulto humanitário em favor de uma mulher indígena da etnia Kokama, que sofreu graves violações de direitos humanos enquanto esteve presa em Santo Antônio do Içá, no interior do Amazonas. Como alternativa, a instituição também solicita a comutação da pena.

A indígena, de 29 anos, foi condenada a 16 anos e 7 meses de prisão, mas o período inicial da pena — mais de nove meses cumpridos na 53ª Delegacia Interativa de Polícia — foi marcado por tortura, estupros e condições desumanas de encarceramento. Durante esse tempo, ela foi obrigada a realizar trabalho forçado de oito horas diárias, sem direito a descanso, e dividiu uma cela com o próprio filho recém-nascido.

Marcas físicas e emocionais

De acordo com a Defensoria, as agressões sofridas resultaram em Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) e em problemas físicos graves, incluindo a necessidade de cirurgia. A situação foi classificada pela instituição como um exemplo extremo de violação de direitos constitucionais e internacionais.

“Estamos diante de um caso em que o Estado, que deveria proteger, se tornou o violador, submetendo uma mulher indígena lactante a tortura, estupro e degradação. Isso compromete o próprio poder de punir do Estado”, apontaram os defensores no documento.

Apurações e responsabilizações

As denúncias chegaram ao conhecimento da DPE-AM somente após a transferência da indígena para a Unidade Prisional Feminina de Manaus, em agosto de 2023. Investigações conduzidas pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do Amazonas (MP-AM), resultaram em acusações contra cinco policiais militares e um guarda municipal.

Perícias confirmaram vestígios de violência sexual e lesões físicas compatíveis com os relatos da vítima. A própria Justiça local reconheceu que a delegacia não tinha condições de custodiar mulheres, mas a transferência só foi autorizada quase dez meses depois da prisão.

Base legal e tratados internacionais

O pedido de indulto é fundamentado em dispositivos da Constituição Federal, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, no Pacto de San José da Costa Rica e nas Regras de Mandela, que asseguram tratamento digno a pessoas privadas de liberdade.

Para a Defensoria, diante da brutalidade enfrentada, não há como justificar a continuidade da pena. “Nem mil anos de prisão seriam capazes de se igualar ao sofrimento imposto à indígena durante o tempo em que permaneceu em Santo Antônio do Içá”, afirma o requerimento.

Acompanhamento federal

O caso também foi encaminhado ao Ministério dos Povos Indígenas, que deve emitir parecer técnico para subsidiar a decisão do presidente Lula. A Defensoria reforça que a concessão do indulto é a única medida capaz de reparar, ainda que parcialmente, a violência sofrida.

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